quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

CAT STEVENS E YUSUF ISLAM


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("Morning has broken" - Cat Stevens)


“Sou o mesmo Cat Stevens. Só estou mais evoluído espiritualmente”
(Cat Stevens, em entrevista à revista “Veja”)


É feriado na cidade. Não saí de casa. Fiquei na sala lendo, escrevendo e ouvindo as gravações do Cat Stevens. No meio da tarde fui à cozinha fazer um café artesanal bem forte e doce. Enquanto mexia o café ainda na panela, pensava no Cat Stevens e na sua curiosa história de vida.

O Cat Stevens é inglês; fez muito sucesso no Brasil e no mundo no final dos anos 60 e nos anos 70. Já famoso contraiu tuberculose e submeteu-se a um longo tratamento; quase incógnito, morou no Rio de Janeiro por três anos; compôs uma música instrumental em homenagem ao Milton Nascimento*. Converteu-se ao islamismo e, por alguns anos, deixou a vida artística. Voltou a gravar com outro nome artístico. Em 2004, com o mundo ainda assustado com os atentados de onze de setembro, foi impedido de ingressar nos EUA. Atualmente vive em Londres e passa muitas temporadas em Dubai - nos Emirados Árabes. 

Em uma entrevista publicada na revista Veja** ele contou que, ainda nos anos 70 quase morreu afogado em uma praia dos Estados Unidos; que no momento daquela quase tragédia ele pediu a Deus que não o deixasse morrer; que passaria o restante de sua vida a servi-lo se conseguisse se livrar daquele afogamento. Depois disso converteu-se ao islamismo em 1977, e logo em seguida adotou o nome de Yusuf Islam.

(Yusuf - Fonte: http://www.express.co.uk/celebrity-news/515263/Scalpers-prompt-Yusuf-Islam-to-cancel-New-York-show) 

Em 2013 veio ao Brasil para fazer dois shows em São Paulo e um no Rio. A mídia aplaudiu os shows e celebrou o artista com carinho. Lembro-me que, na época, fiquei muito contente ao ler as reportagens publicadas nos jornais e revistas em torno das suas apresentações e de sua passagem por São Paulo.

A conversão ao islamismo e o sumiço do mundo artístico por um tempo me fez pensar que o artista havia deixado de ser quem era. No entanto, quando reapareceu, encontrei o mesmo Cat Stevens que sempre gostei. Na referida entrevista publicada na revista "Veja" ele falou de si mesmo:

- “Sou o mesmo Cat Stevens. Só estou mais evoluído espiritualmente”.

E ao falar assim a respeito de si mesmo ele fala de todos nós: somos os mesmos que sempre fomos. Contudo, com o passar do tempo, vamos nos transformando espiritualmente; vamos adquirindo a capacidade de ampliar a compreensão que temos das pessoas que nos cercam, sem a necessidade de julgá-las, e de observar com gratidão os encantos que a natureza nos proporciona. E o exercício dessa capacidade, sem dúvida, é o que podemos chamar de evolução.    

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*"Nascimento" - do disco "Back to Earth", de 1978
** Revista VEJA, edição 2340, 25 de setembro de 2013

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

A PROCURA (ou OS QUATRO NA CHUVA)


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("Here comes the sun")


     Passado o Natal e o Ano Novo veio Janeiro... e vieram também as chuvas. O sistema de escoamento de água de muitas cidades não consegue conter o seu fluxo. A consequência é o transbordamento de córregos, alagamento de ruas e casas. Em Guará não foi diferente: os moradores lutaram para salvar seus móveis e pertences da água que invadiu suas casas.

     Indiferentes a tudo isso, muitos daqueles que visitaram Guará no final do ano ainda não retornaram para os lugares onde moram. De alguma forma, tomaram gosto pela cidade ou, mais especificamente, pela amizade formada com alguns de seus habitantes.

     Conforme noticiado aqui, em vésperas do Natal, os Beatles haviam sido vistos em Guará à procura do Daniel, do João e seus amigos músicos. Queriam falar de música com eles e, se possível, queriam tocar juntos no fundo de algum quintal - para não incomodar a vizinhança.

     Não se sabe se, em Dezembro, a procura foi bem sucedida. No entanto sabe-se que os Beatles não foram embora. John, Ringo, Paul e George não foram vencidos pelas águas da chuva e pelos alagamentos na cidade: calçados de galochas e vestidos de bermudas lá estavam eles novamente, dessa vez perto do Ginásio de Esportes, procurando os beatlemaníacos de Guará.

     Se em Dezembro a procura não foi bem sucedida, tudo indica que dessa vez o será. Afinal, perdidos, andando na chuva, e brincando em uma poça d'água, os Beatles tiveram a sorte de encontrar na rua o Marquinho. Este, fã ardoroso dos Beatles, emocionado, pensativo, não acreditando que via os quatro famosos marmanjos brincando na chuva, e ainda preocupado em evitar que contraíssem gripe, mais que depressa cuidou de informar-lhes onde poderiam encontrar os ilustres guaraenses:

     - "Ô John, sai da chuva... ó, a casa do Daniel é ali ó... vira ali... a terceira à direita... corre!" - explicou o Marquinho.

(Arte [genial], no facebook: Philippe Kientzler)

     Ao que parece, antes de regressarem a Liverpool os Beatles pretendem homenagear amanhã uma visitante de finais de ano que adotou a cidade como sua - e que nela permanecerá até o final do mês.

     O George Harrison já disse há muito tempo que "o sol está vindo" (here comes the sun). E quando ele disse isso, sem dúvida nenhuma referia-se ao dia de amanhã. Portanto, não perco essa homenagem por nada. Contudo, se ocorrer alguma falha na previsão do George, se a chuva e os alagamentos persistirem, chego em Guará de submarino - amarelo. 


Saturday Morning Beatles - TV Beatles with Umbrellas
  (fonte: http://www.walnutst.com/cart/product_details.php?id=542)

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

COMO DIZIA O POETA...


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(Vinícius, Marília Medalha e Toquinho - Como dizia o poeta, 1971)

"A vida só se dá prá quem se deu"

     Na crônica "Encontro"*, escrita pelo Vinícius, ele fala de sua primeira apresentação com o Toquinho e a Marília Medalha juntos. Ele conta que foi no dia sete de setembro de 1970 no Teatro Castro Alves em Salvador, na presença de dois mil estudantes; que, a seu ver, o momento não parecia muito apropriado para um show de música popular brasileira. 

     Em suas palavras, na crônica "Encontro":

     "À época, tampouco, era muito propícia. A onda da música beat dava apenas os seus primeiros sinais de refluxo, e para a maioria dos contestadores críticos e dos corifeus da contracultura, nós todos, os 'velhos' da bossa-nova, 'já éramos'."

     "Felicidade", composta por ele em parceria com o Tom, "Marcha da quarta-feira de cinzas", com o Carlinhos Lyra, "Consolação", com o Baden, dentre outras, faziam parte do repertório daquele show. Ao contrário do que o Vinícius esperava, a plateia os recebeu bem - inclusive cantando junto com eles conforme as músicas iam sendo apresentadas.

     O que me pareceu mais interessante, ao ler a crônica, foi saber que em meio a tanta música já consagrada o ponto alto do show foi "Como dizia o poeta" - um sambinha, então, novo, composto pelo Vinícius e pelo Toquinho, em parceria. De fato, o sambinha era (e ainda é) muito bom. Diz o Vinícius que todo o público o cantou de pé.

     Até hoje eu fico imaginando o quanto deve ter sido bonito aquele "encontro". Gosto de apresentações musicais em teatros, em espaços menores. Tenho a sensação de que se cria uma grande cumplicidade entre o artista e a plateia. Gostaria de ter estado em Salvador naquele dia; de ter presenciado aquele show.

     Daquela noite no Teatro Castro Alves nasceu o disco "Vinícius, Marília Medalha e Toquinho: Como dizia o poeta" (1971). Nele foram gravadas "Tarde em Itapuã", "Tomara", "Mais um adeus" e "Samba de Gesse" - dentre outras. 

     Ainda estudante, e embalado pelas músicas do disco, fui parar em Salvador. Mas cheguei lá com uns seis anos de atraso em relação à data daquele show! Levava comigo a ilusão de encontrar o Vinícius cantando, bebendo e conversando na praia de Itapuã**. Lembrei-me disso hoje ao receber de minha filha, via whatsapp, a foto do monumento ao Vina, na Praça Vinicius de Moraes, em Itapuã.

(Monumento a Vinícius - Praça Vinícius de Moraes, Salvador/BA - foto: arq. pessoal)

     Escrevendo sobre "Como dizia o poeta", o Vinícius conta nessa mesma crônica que a ideia de compô-la surgiu de um poeminha "ginasial" de Francisco Otaviano*** com o título de "Ilusões da Vida":

ILUSÕES DA VIDA

Quem passou pela vida em branca nuvem,
E em plácido repouso adormeceu;
Quem não sentiu o frio da desgraça,
Quem passou pela vida e não sofreu,
Foi espectro de homem - não foi homem,
Só passou pela vida, não viveu.

     E, a partir da resposta carinhosa do público naquele show em Salvador, Vinícius conta que sentiu restituída a confiança na música popular - e passou a compor com o Toquinho.

     Com o maior carinho guardo em casa, em vinil, o disco "Vinícius, Marília Medalha e Toquinho: Como dizia o poeta". Ele é, para mim, um dos meus mais preciosos guardados - pois foi ele que alimentou minha ilusão infantil de bater um papo com o Vinícius nas areias da praia de Itapuã.

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*Crônica que está no livro "Samba Falado". MORAES, Vinícius de. Samba Falado. [organização Jost Miguel, Sérgio Cohn, Simone Campos. Rio de Janeiro: Beco o Azougue, 2008.
**Naquela viagem e naquelas alucinações, acabei mesmo foi encontrando, altas horas da madrugada, em um bar no farol da Barra, meus amigos Paulo, Mofio, Gilmar, Fernando e Moreirinha, que estavam na cidade à passeio.
***Francisco Otaviano de Almeida Rosa (1825-1889) - poeta, jornalista, advogado, político e diplomata fluminense. Foi um dos patronos da Academia Brasileira de Letras.