terça-feira, 10 de janeiro de 2012

D. PEDRO I E O CAUBOI VALENTÃO


D.Pedro I em detalhe de "Independência ou Morte", 1888, de Pedro Américo


     Recentemente reli a biografia do D. Pedro I escrita pela historiadora Isabel Lustosa(1). Dessa leitura fui construindo, sem querer, uma relação livre e despretensiosa do seu perfil psicológico com os reflexos dele produzidos no perfil geral do brasileiro.

     D. Pedro I foi um menino solto; foi um jovem independente e boêmio que se dedicava mais às atividades físicas que aos estudos. Preferia a vida sem as formalidades da corte. Tornou-se um imperador impulsivo e contraditório.

     Quando penso nele, a imagem que me vem é a de alguém que “não levava desaforo para casa”. Fico imaginando o imperador menino, solto no paço, inquieto, fugindo do palácio para brincar com os meninos do porto. Pelo que consta na literatura, D. Pedro I não "dava bola" para diferenças raciais nem tampouco para uma suposta inferioridade do negro – tanto que era contrário à escravidão. A esse respeito, inclusive, declarou: “Eu sei que o meu sangue é da mesma cor que o dos negros”(2).

     Imagino-o já adulto, às margens do Ipiranga, recebendo da Dna. Leopoldina uma mensagem na qual pede providências pelo Brasil: “o pomo está maduro; colha-o já, senão apodrece” – dizia a mensagem.

     Ao mesmo tempo, e não sei por quê, relaciono D. Pedro I com o Kid Morengueira - personagem de letra de música criado sob inspiração nos caubóis norte-americanos. Apesar de fictício, parece que tem o mesmo perfil heroico, destemido e “doidão” do brasileiro existente em D. Pedro I.


(CLIQUE NA SETA PARA ASSISTIR ANTES DE LER)
(Moreira da Silva - "O rei do gatilho", 1962)


O REI DO GATILHO
(Michael Gustav) 

'' O rei do gatilho, super bang-bang de Michael Gustav, com Kid Morangueira, o mais famoso pistoleiro de Wichitta.
Temido pelos bandidos, pois só atirava em nome da lei.
O rei do Gatilho.'' 

Começa o filme com o garoto me entregando 
um telegrama do Arizona, onde um bandido de lascar 
um bandoleiro transviado que era o bamba lá da zona 
e não deixava nem defunto descansar. 
Dizia urgente que eu seguisse em seu socorro. 
a diligencia do oeste neste dia ia levar 
vinte mil dólares do rancho Águia de Prata 
onde a mocinha costumava me encontrar 

''Venha urgente, pois estou morta de medo. Só tu poderás salvar-nos. 
Beijos da tua Mary.'' 

Botei na cinta dois revólveres que atiram 
sem que eu precise nem ao menos me coçar 
assobiei para um cavalo que passava do outro lado 
e com o bandido mascarado fui lutar. 
Meti o peito, nem dei bola prô xerife 
passei direto do saloon, fui me encostando no balcão 
com o chapéu em cima dos olhos nem dei conta 
de que o bandido me esparava a traição 

"-Cuidado Moreira-'' 

Era um índio meu amigo que sabia 
das intenções do bandoleiro contra mim 
e advertia seu amigo do perigo que corria 
devo-lhe a vida, mas isso não fica assim. 
A essa altura o cabaret em polvorosa 
já tinha um cheiro de cadáver se espalhando 
houve um suspense de matar o Hitchicock 
e em close-up prô bandido fui chegando. 
Parou o show e as bailarinas desmaiaram 
fugiram todos só ficando ele e eu 
ele atirou, eu atirei e nós trocamos tantos tiros 
que até hoje ninguém sabe quem morreu. 
Eu garanto que foi ele, ele garante que fui eu.
Só sei dizer que a mulher dele hoje é viúva 
que eu nunca fui de dar refresco ao inimigo 
como no filme bang-bang, bang-bang vale tudo 
o casamento da viúva foi comigo.

Tem um final, mas o final é meio impróprio e eu não digo. 
Volte na próxima semana se quiser ser meu amigo 
Eu de cowboy fico gaiato, mas não fujo do perigo



     O Kid Morengueira, em “O Rei do Gatilho”(3), ao receber um telegrama de uma frágil mocinha que lhe pedia socorro, “pegou” um cavalo que passava e foi ligeiro proteger uma diligência que transportaria uma grande soma em dinheiro. E, claro, foi também salvar a “mocinha”.

     Ao receberem uma notícia de consequências danosas, ambos deixaram fluir a impetuosidade do brasileiro, e, numa explosão de heroísmo, D. Pedro I e Kid Morengueira tomaram providências imediatas. D. Pedro I sacou a espada e bradou pela Independência do Brasil; Kid Morengueira “botou no cinto dois revólveres”, matou um bandido em duelo, salvou o dinheiro, e ainda se casou com a viúva.

     D. Pedro I era popular e querido aqui no Brasil. Tanto que, quando foi pressionado para voltar para Portugal, mandou avisar que daqui não sairia(4). 


D.Pedro I em desfile de 7 de setembro com minhas amigas Marisas -postagem Eliane de Andrade no facebook


     O Kid Morengueira, mesmo com seu jeitão do caubói John Wayne(5) no personagem traçado no samba-de-breque, era também querido e admirado, tanto pela frágil mocinha quanto pelo seu amigo e parceiro – um índio.


Rio Bravo, John Wayne, 1959 Photo
John Wayne - fonte: http://www.allposters.com/-sp/Rio-Bravo-John-Wayne-1959-Posters_i9339038_.htm


     Tanto o D. Pedro I quanto o Kid Morengueira, um real outro fictício, com algumas similaridades e dessemelhanças, nas minhas fantasias traduzem bem o jeitão cordial do brasileiro – além de ilustrarem os valores e respeito que devem imperar nas relações entre todas as raças aqui no Brasil: D. Pedro I não acreditava na inferioridade do negro; Kid Morengueira era amigo de índio. São, por isso, perfis que representam a identidade do povo brasileiro.

____________________________ 
(1) LUSTOSA, Isabel. D. Pedro I: um herói sem nenhum caráter. São Paulo: Companhia das Letras, 2006
(2) LUSTOSA, Isabel, obra citada, p. 129
(3) "O Rei do Gatilho" -  samba-de-breque de Michael Gustav, interpretado por Moreira da Silva
(4) Em 09/jan/1922 (dia do Fico) D. Pedro I disse: “se é para o bem de todos e felicidade geral da nação, estou pronto: diga ao povo que fico!” 
(5) John Wayne nome artístico de Marion Robert Morrison, ator norteamericano (1907 – 1979)

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