sábado, 23 de maio de 2020

A PRESENÇA SÍRIO-LIBANESA NA CIDADE DE GUARÁ, SP


Inauguração do Monumento (15/09/1963). Da esq. para a dir.: Jorge "Barud"; Chauki; ...; Sr. Azor; Jamil Jorge; Nehif Antônio; Kaissar Khouri; José Nazir; ...; Webe Abboud; Hussein; Sr. Olavo Borges; ...; ...; Sr. Teté; ...; Pe. Milton; Sahid Elias (Milim); ...; Sr. Apá Bechara; Dr. Urbano Junqueira; Sr. Jorge Tannous; Sr. Antonio Abboud; Sr. Zakhi Tannous - Foto: arq. de família 

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Fairuz - "Wa habibi"
https://www.youtube.com/watch?v=OI-tr1XntsE

     Materializada em papel ficou a presença daqueles que estiveram na Praça Nove de Julho, em Guará, na noite do sexagésimo primeiro aniversário do Município (15 de setembro de 1963). Na ocasião, os imigrantes sírio-libaneses e alguns de seus descendentes, juntamente com os representantes da administração pública e a comunidade guaraense, reuniam-se para a inauguração do Monumento oferecido por eles, os imigrantes sírio-libaneses, à cidade. 

     Conheci e convivi com muitos dos imigrantes que estão na foto. Ainda criança, sempre os via passar pela casa de minha avó paterna - uma das primeiras imigrantes da cidade - para uma xícara de café, ou para um simples "bom dia".

     Identifico na foto o meu tio Jorge Mourani, mascate, apelidado "Jorge Barud", que vivia em uma pensão. Nunca se casou. Seus últimos anos foram vividos em um quarto de fundos na casa de minha avó. Flautista (tocava "nay"), era ele quem animava as festas nas quais eram formadas rodas de dabke.

     Identifico também o Chauki, um "patrício" sempre sorridente, que percorria as cidades da região em uma perua rural Willys, vendendo e fazendo a distribuição de produtos de beleza. Com um forte sotaque árabe, ele trazia sempre um enorme sorriso no rosto. Nos finais de semana, comendo amendoim, sentava-se ao lado de um enorme rádio para ouvir a transmissão de partidas de futebol.

     O Sr. Kaiser Khouri, ao fundo na foto, que tantas viagens fazia do Brasil para o Líbano, e vice-versa, formava em sua casa grandes rodas de "patrícios" para os jogos de cartas. Os Srs. Salim, Azor, Zé Gebrin, e alguns de seus próprios filhos, que tornaram-se meus amigos (Fauzi, Adônis, Samir, Choucri, Walid e Wadih), eram seus companheiros e parceiros. Sua casa era, para mim, um pedaço do Oriente Médio. Nem sempre havia espaço à mesa para o "carteado". Os excedentes, não se fazendo de rogados, aguardavam na sala de entrada sua vez de participar do jogo de cartas, preenchendo seu tempo com os dados, em torno de um tabuleiro de gamão. O Sr. Salim, já de muita idade, sempre tenso com as cartas nas mãos, fazia do cigarro o remédio para controle de sua ansiedade. Já bastante debilitado, e proibido de fumar, um lápis em sua boca substituía o cigarro.

     O Sr. José Nazir, também na foto, foi um comerciante interessante. Solteirão, sempre com um cigarro de palha na boca, ou em cima da orelha, tinha um sotaque árabe muito acentuado. Eu achava tão engraçado seu jeito de falar que, anonimamente, fazia ligações telefônicas para sua loja simplesmente para ouvi-lo falar. Ele, inquieto, querendo descobrir quem o havia chamado e que permanecia calado, não resmungava, não maldizia: falava de si mesmo, contava sua história de vida para o aparelho telefônico... O "Lar de idosos" de Guará foi o seu último endereço.

     Na foto também identifico os srs. Hussein, Antoun e Webe Abboud, meu pai, meus tios Milim e Apá, os Srs. Zaki e Jorge Tannous, além de autoridades civis e religiosas da cidade.

     Lembro-me também de muitos outros "patrícios" que não estão na foto: o Sr. Joani Saad, proprietário de uma loja de roupas, caminhava com suavidade, sempre elegante, com o colarinho da camisa abotoado; o Kassim, também mascate; o meu querido amigo Toufic, comerciante, em cuja loja eu passava muitas de minhas horas; o Zezinho Felício e seu pai, o meu tio Felício... Muitos outros ainda me vêm agora à lembrança... a família Chaud inteira, tio Felipe, Srs. Budu, Noraldo, Dib, Toufic, Chaudinho... o Neil Bechara... E como me esquecer das mulheres de origem ou descendência sírio-libanesa? dona Alice, dona Cecília, dona Eufrosia, dona Ramza, dona Suheim, Nijma, Zahkia, Odete, Zita, Hanna... tia Sarah... minha avó Labibe... e tantas mais... tia Jamila... tia Emília... 

     O monumento na Praça, construído de alvenaria comum em formato de paralelepípedo, com cerca de um metro e oitenta de altura, foi revestido de mármore negro e recebeu uma placa datada de 15  de setembro de 1963, com os seguintes dizeres: "À cidade, os libaneses".

O Monumento, reinaugurado em 10/maio/2008
Foto: arq. pessoal

     O monumento original, inaugurado na noite em que a foto foi tomada, desapareceu. No entanto, anos depois, resgatando a memória da cidade, a importância e a presença da comunidade sírio-libanesa em Guará, a administração pública municipal reinaugurou um novo monumento, idêntico ao original, no mesmo local da Praça Nove de Julho onde se encontrava o anterior, e onde permanece.

     Quando estou em Guará, vou até a esquina da Rua Deputado João de Faria com a Rua Campos Salles, bem no canto do quarteirão da Praça Nove de Julho. E ali estando, por alguns minutos reverencio o Monumento que vejo no começo dos jardins da Praça: lá estão, sem que ninguém os veja, os queridos "patrícios" que conheci e que permanecem guardados em minha própria história.       

Autoridades e comunidade no evento (lado direito do monumento)
Foto: arq. de família

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