terça-feira, 24 de junho de 2025

DIVAGAÇÕES SENTIDAS EM TORNO DE UMA FOTO

 

Postagem de Wander Zuccolotto, em 23/06/25,
em sua página do Facebook

Amor rico, amor pobre... amor presente, amor distante... amor de hoje, amor de ontem... amor declarado, amor rasgado... amor reservado... Amor sentido, amor vivido... amor sofrido, amor celebrado... Amor de vinho e de taça... Amor de ódio e de cachaça... Amor de um dia, amor de eternidade... amor de campo, amor de cidade... Amor de olhar, amor de beijo, amor de perfume, amor de tato... Amor de uma palavra, amor de uma flor... amor de todas as flores: amor de juventude, amor de maturidade... amor de paixão, amor de saudade... amor de ontem, amor de hoje, amor de sempre... Amor de todas as idades, em todos os tempos, em todos os idiomas, em todos os cantos do planeta... Amor de todas as formas. Amor certinho, amor justinho... Amor de trapo e farrapo. Amor de "não sei quê. Amor.

Mauricy Moura - "Amor de trapo e farrapo" (Paulo Vanzolini)
https://www.youtube.com/watch?v=cjA0hAMtpK4&list=RDcjA0hAMtpK4&start_radio=1

Amor de Trapo e Farrapo

(Paulo Vanzolini)

 

Amor de trapo e farrapo

Tudo errado mas tão gostoso

De dar arrepio na espinha

Amor de galo de rinha

Amor de arrancar toco

Amor de louco contra louca

Ciúme e fogo nos olhos

Beijo, o fogo na boca

E o coração, incêndio pleno

Amor veneno

Amor cachaça

Amor veneno

Amor pirraça

Amor debaixo d'agua

Amor no meio dos infernos

Amor de meter susto ao padre eterno

E já se vê

Só pode ser o amor de eu e você

Amor certinho

(Roberto Guimarães Campos de Pinho)

 

Amor à primeira vista

Amor de primeira mão

É ele que chega cantando, sorrindo

Pedindo entrada no coração

 

O nosso amor já tem patente

Tem marca registrada, é amor que a gente sente

Eu gravo até em disco todo esse meu carinho

Todo mundo vai saber o que é amar certinho

 

Esse tal de amor não foi inventado

Foi negócio bem bolado direitinho pra nós dois, foi ou não foi?

Esse tal de amor não foi inventado

Foi negócio bem bolado direitinho pra nós dois



João Gilberto - "Amor certinho) - Roberto Guimarães C. de Pinho
https://www.youtube.com/watch?v=6DV-xIhS9ow&list=RD6DV-xIhS9ow&start_radio=1


domingo, 15 de junho de 2025

VELEJANDO SEM VENTO


Folheto: apresentação do conteúdo da "viagem"
Foto: acervo pessoal

Apresentação do pianista
Foto: acervo pessoal

"Deslizou os dedos pelas teclas do Mar Báltico"
Foto: acervo pessoal

Embarquei em um navio viquingue. Num frio cortante, de fazer tremer o corpo todo, deixei de lado as costumeiras rotas do Bojador e iniciei meu percurso pelo litoral da Dinamarca, Noruega e Suécia. Mergulhei na neblina… No convés, propulsor da viagem, o pianista Caio Pagano. Deslizou os dedos pelas teclas do mar Báltico de seu instrumento, e a nau atravessou, determinada, a Escandinávia. Finda a travessia, desembarquei no espaço aéreo da praça escura, e saí caminhando pelas ondas de um oceano terrestre que havia inundado o quadrilátero central da cidade. Fui dormir no paraíso.

Caio Pagano (piano) - Rachmaninoff - Prelúdio op. 32
Trecho da apresentação de maio de 2015 da série mensal de concertos presenciais da Fundação Maria Luisa e Oscar Americano
https://www.youtube.com/watch?v=IGa7401ErVI&t=17s


sexta-feira, 16 de maio de 2025

AMOR DE MÃE

 

"Maternidade" - Juan Rocasalbas (1985) - acervo pessoal

    Do final dos anos 60 até meados dos anos 80, Rosa Freire d'Aguiar residiu e trabalhou na França como jornalista e correspondente das revistas Isto É e Manchete. Durante os anos lá vividos, traduziu a conjuntura internacional e entrevistou escritores, intelectuais e artistas de destaque, dentre as quais Ernesto Sabato, Fernand Braudel, François Perroux, Georges Simenon, Julio Cortázar e Norma Bengell. Anos depois desse período, desencaixotou algumas entrevistas que havia guardado, e as publicou em livro - ao qual deu o título de "Sempre Paris" (Companhia das Letras, 2023).

"Sempre Paris" - capa do livro -
https://www.companhiadasletras.com.br/livro/9788535935516/sempre-paris-vencedor-jabuti-2024

    Ao iniciar a leitura de "Sempre Paris", justamente no último "dia das mães" (11 de maio), deparei-me em suas páginas com a entrevista que lhe fora concedida pela filósofa francesa Élisabeth Badinter, autora de um best seller,  em 1980, na França, e que inspirava uma discussão a respeito do mito do amor materno - "L'amour en plus" (1980), traduzido no Brasil com o título "Um amor conquistado - o mito do amor materno".
    Para mim sempre esteve pacífico o entendimento de que "amor de mãe é o mais sublime, é o mais "puro e sincero, 'inocente como a flor'", é diferenciado, é o que advém da "extração" de uma parte daquela que gerou e que é dedicado aquele/a que nasceu - ou seja, é o amor que está além de todos e quaisquer outros tipos ou maneiras de amar.
    Admito, contudo, que eu nunca havia pensado a respeito do assunto.
    A autora de "L'amour en plus", não negando o instinto maternal, contestava a ideia de que esse amor de mãe seria inato e idêntico em todas as mulheres. Em seu entendimento, "o amor materno é um aprendizado que uma mãe vai tricotando no contato diário com o filho" - mas "pode não surgir", disse ela na entrevista. Um dos pontos abordados na conversa com a jornalista considerava a possibilidade da troca involuntária de um bebê ao nascer, ainda no hospital, e a suposta mãe passar a tratar o bebê a ela apresentado como seu filho natural, direcionando a ele, a esse filho trocado, todo o seu "amor de mãe".
    Pois foi justamente pensando nisso que me veio o questionamento a respeito da possibilidade do amor de mãe poder não ser inato, mas naturalmente desenvolvido e construído. Diante de tal hipótese, pareceu-me, então, que "amor construído" pode não se diferenciar de qualquer outro amor que se dedica a alguém - ou seja, o amor que se tem por alguém pode ser tão forte quanto o amor que uma mãe tenha por um filho.
    Conversei com seis mulheres a respeito da possibilidade da troca de filho desde o primeiro contato visual entre mãe e "filho" em um hospital, após o nascimento. Surpreendeu-me constatar que, para todas elas, a ideia do amor construído era pacífica - ou seja, tal entendimento superava a ideia do amor inato. E fui adiante nas minhas indagações. Todas elas mantiveram o entendimento de que o amor de pai pelo filho pode ser tão forte, ou igualmente construído, quanto o amor de uma mãe pelo filho que assumiu como sendo seu.
    Se formos levar em consideração muitas das notícias que nos chegam, e que tratam da relação mãe/filho, é espantoso ver que há casos de agressão, violência, maus-tratos e negligência materna. E em assim sendo, o que poderia justificar isso? Desequilíbrio mental? Pobreza? Egoísmo? Amor "não desenvolvido"? Nesses casos, onde se situaria o "amor materno"? Não sei... Quando me dedico a pensar nessa e em tantas outras questões que envolvem a natureza humana, sinto-me dominado por um elevado grau de aflição diante da minha ignorância em relação a temas tão sensíveis.


terça-feira, 22 de abril de 2025

UMA FESTA BRASILEIRA EM ROUEN, EM 1550

 

Festa de entrada do rei Henrique II, Rouen, 01/10/1550. Pintor anônimo. Gravura em manuscrito da Biblioteca Municipal de Rouen. À esquerda, na figura, uma ilha montada com árvores e alguns indígenas; à direita, abaixo, uma representação de guerra entre povos indígenas  (Fonte: https://www.researchgate.net/figure/Figura-1-Festa-de-entrada-do-rei-Henrique-II-Rouen-1-o-10-1550-Pintor-anonimo_fig1_344062058

Para a promoção de um projeto de colonização francesa, no Brasil, cerca de cinquenta indígenas foram levados à França, em 1550, pelos navegadores franceses. Na cidade de Rouen, naquele ano, por ocasião da passagem dos Reis Henrique II e Catarina de Médici, foi organizada uma apresentação teatral às margens do Rio Sena, ao longo do qual foram montadas habitações indígenas. Encenava-se uma batalha entre nativos indígenas da colônia portuguesa na América, que apoiavam os franceses, contra outros nativos que não os apoiavam - encenação que resultava na vitória dos apoiadores da França. Essa encenação foi contada por Ferdinand Denis no livro "Uma festa brasileira em Rouen em 1550" (publicado em 1850). Cinco anos depois da "Festa brasileira em Rouen", em 1555, os franceses invadiram a Baía de Guanabara e ali estabeleceram a colônia da França Antártica - de onde foram expulsos em 1567.

A cidade de Rouen, banhada pelo Rio Sena
https://turmadefrancescriarte.blogspot.com/2012/05/mapa-da-franca.html

CLIQUE NA SETA - VÍDEO ILUSTRATIVO
https://www.youtube.com/watch?v=RaU3rcasz3A

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

GERALDO VANDRÉ

 

Geraldo Vandré
https://www.jornalopcao.com.br/colunas-e-blogs/imprensa/o-geraldo-vandre-radical-e-uma-invencao-de-um-tempo-em-que-estetica-submetia-se-politica-50885/

Sempre que alguma leitura, alguma imagem ou alguma música me leva ao Geraldo Vandré, a sensação que me ocorre é de algo distante, de eco, de chamado, sem que eu consiga detectar a sua fonte… Fica um aperto no peito, com traços de angústia e de abandono… E penso que a composição musical é rica justamente quando promove um emaranhado de sentimentos e sensações. O violão, ao fundo, em composições do Geraldo Vandré, nem sempre parece acompanhar o canto. Contudo, é uma disparidade assim que transmite mensagens que a gente traduz por busca, procura, desencontro… e, às vezes, por desencanto.

Geraldo Vandré - "Aroeira" (Geraldo Vandré)
https://www.youtube.com/watch?v=EGyb11knYYo

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

TEMPO TEMPO TEMPO

 

"Tempo tempo tempo" - Foto: acervo pessoal (12fev25)

… troquei passos pelas ruas escuras, atento ao meu redor, ao movimento de estranhos, aos desenhos da minha própria sombra… Acelerei o passo… até chegar ao meu destino: Mariana Junqueira, 623. Pronto. Bauhaus. Ali dentro, em  cores, rejuvenesci: vermelho, amarelo… casas, faces… azul, verde… o campo… a cidade… Arte! “Tempo tempo tempo” - exposição de arte montada pela ALARP (Academia de Letras e Artes de Ribeirão Preto). 

Depois, no escuro das calçadas, reedificado…segui o meu caminho rodeado de pássaros, flautas, bandolins, rios, fontes, amigos, luar e abraços - que só eu conseguia enxergar.

Caetano Veloso - "Oração ao tempo"
https://www.youtube.com/watch?v=HQap2igIhxA

“Compositor de destinos / Tambor de todos os ritmos /  Tempo, tempo, tempo, tempo”.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

ACADEMIA RIBEIRÃOPRETANA DE LETRAS - DISCURSO PROFERIDO NA SOLENIDADE DE POSSE DA DIRETORIA 25/26

 

Discurso que proferi em 05/fev/25, na solenidade de posse da Diretoria 25/26 da Academia Ribeirãopretana de Letras (ARL).

Foto: acervo pessoal (05fev25)
________________________________________ 

Senhores componentes da Mesa Diretora, Srs. Acadêmicos, Sras. Acadêmicas, Autoridades, Senhoras e Senhores, minhas queridas amigas, meus queridos amigos.

 

A cerimônia de posse é esse processo de transição, em que um grupo de acadêmicos, que dirigiu a entidade, transmite a um outro grupo de acadêmicos eleitos, a responsabilidade de cuidar e fazer cumprir os objetivos que ensejaram a sua fundação. Assim, ao longo do tempo, para que a academia possa se renovar, uma diretoria é eleita para geri-la, com prazo determinado, e a entidade, alternando poderes de tempos em tempos, segue com energias renovadas pelo período estatutariamente previsto, por todo o período de sua existência.

 

É importante, que em todo processo de transição, uma solenidade, como a que está acontecendo nesta noite, seja realizada. É importante, em especial nesses tempos de “terra em transe”, que todas as entidades culturais abram suas portas para que a comunidade possa celebrar o exercício da cultura, do ideal da paz, e do convívio harmonioso.

 

Aliás, convívio harmonioso possível e demonstrado pelo maestro judeu-argentino, Daniel Baremboim, e pelo teórico literário palestino, Edward Said, que fundaram, em 1999, a West-Eastern Divan Orchestra – uma orquestra, que tem realizado apresentações em todo o mundo, e que é composta por jovens músicos majoritariamente árabes e judeus. Na arte, diante da beleza, diante do despertar para o sonho, os homens se humanizam, cantam, dialogam, estendem os braços uns aos outros, se abraçam, se completam e se complementam.

 

Este é, portanto, o propósito de uma Academia de Letras: incentivar a cultura e a literatura... promover a difusão e a preservação da Língua Pátria, inspirar, aproximar, humanizar, sugerir possibilidades, abrir caminhos.

 

Quero, inicialmente, agradecer e parabenizar a Fernanda pela sua magnífica condução dos destinos desta nossa Academia nesses dois últimos anos; quero também agradecer e parabenizar todos os componentes da diretoria 2023/2024, pelo notável espírito acadêmico, e pelo carinho que dedicaram a cada um dos eventos e encontros realizados. E foram muitos!

 

Destaco, especialmente, as parcerias culturais com as demais entidades congêneres, com evidente incentivo à convivência amena e fraterna, entre os membros dos diversos grupos culturais existentes em Ribeirão Preto – e sempre com o apoio da Secretaria da Cultura do Município. Ao longo destes últimos dois anos, a ARL promoveu eventos e esteve presente na comunidade com vigor, com o destaque e o brilho que ela merece ter, sempre levando e propondo a estética da inclusão. E não somente nos últimos dois anos, mas também nas gestões anteriores, conduzidas brilhantemente pelo Waldomiro, pelo Ferriani, e por tantos outros que vieram antes de nós. O nosso agradecimento a todos os que nos antecederam, por nos possibilitarem chegar até aqui com a consideração e o respeito vindos de toda a comunidade.

 

Quero também agradecer, com muito carinho, a todos os acadêmicos que se juntaram a nós, na montagem de uma chapa para ser submetida à aprovação dos 40 membros efetivos da Academia. Agradeço, portanto, ao voto de confiança que nos foi dado pela maioria de nossos pares, evidenciando, assim, a legitimidade que necessitamos ter, para podermos cuidar da Academia, como seus legítimos representantes no biênio 25/26. Sem o decidido apoio de tantos, nós não ousaríamos nos candidatar; e, eleitos, tampouco ousaríamos assumir a direção da Academia – posição tão honrosa quanto desafiadora. Afinal, ninguém ignora o quanto é difícil administrar um centro produtor e difusor de estímulos culturais, sobretudo em uma época em que determinados valores universais andam tão menosprezados.

 

        Mas felizmente somos todos dotado das capacidades de observar, de sentir, de pensar, de dialogar e fazer cumprir nossos impulsos: tanto os construtivos quanto, infelizmente, os destrutivos. E Ruy Guerra, nesse sentido, fez uma bela observação, no pequeno trecho de poema que se ouve no “Fado Tropical”, de Chico Buarque de Holanda:

 

“Sabe, no fundo eu sou um sentimental.

Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dosagem de lirismo

(além da sífilis, claro)

Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar,

esganar, trucidar

Meu coração fecha os olhos...

e sinceramente, chora...”

 

E é por isso que os pensamentos precisam ser pensados antes de serem traduzidos em ação efetiva. Assim, no breve instante contido entre intenção e o gesto, sensíveis ao universo ao nosso redor, uma reflexão atenta pode promover resultados admiráveis. E a literatura nos convida à reflexão.

 

Ao juntar essas ideias para serem trazidas aqui, hoje, ocorreu-me um pequeno trecho de uma canção argentina, “Solo le pido a Diós”, do compositor León Gieco - um verdadeiro hino de apelo à consciência social e à compaixão humana:

 

"Só peço a Deus

Que a dor não me seja indiferente

Que a ressecada morte não me encontre

Vazio e só, sem ter feito o suficiente (...)"

 

       E a ARL é uma entidade que sempre esteve atenta às carências sociais e intelectuais do homem, propondo, por conseguinte, reflexões inspiradas na literatura, que possam resultar em descobertas e transformações. E é essa reação pensada, trabalhada, que pergunta o porquê dos porquês, que procura interpretar um texto e promover inquietação, ... é essa reação que constrói, que edifica... que faz sonhar, viajar, acreditar na possibilidade de um mundo menos insensível, menos desigual...

 

       Nós, da Academia Ribeirãopretana de Letras, acreditamos que a literatura seja o instrumento apropriado para inspirar autoestima naqueles que se abatem; que seja ela, a literatura, o instrumento que coloca o homem em mundos possíveis – e por que não? -  sem que ele, o homem, precise deixar a pequena escrivaninha onde folheia os seus livros (conforme também observou, um dia, o nosso amigo, escritor, Perce Polegato).

 

       Pois a ARL congrega um grupo de pessoas que lança o olhar para o passado, pensa e repensa o presente, propõe inspiração, reúne, debate, incentiva, e projeta um futuro. E é mesmo esse o seu propósito: estimular, provocar, sugerir... acender.... AS-CEN-DER....

 

“Subamos!

Subamos acima

Subamos além, subamos

Acima do além, subamos!

Com a posse física dos braços

Inelutavelmente galgaremos

O grande mar de estrelas

Através de milênios de luz. (...)

 

Oh, acima

Mais longe que tudo

Além, mais longe que acima do além!

Como dois acrobatas

Subamos, lentíssimos

Lá onde o infinito

De tão infinito

Nem mais nome tem

Subamos! (...)"

 

       - Ah, Vinícius...!!

 

       Em um universo que agrega 40 mentes sonhadoras, a diversidade de ideias e de leituras fervilha. Somos professores, médicos, advogados, engenheiros, sociólogos, dentistas, funcionários públicos, empresários, comerciantes, comerciários, industriários, historiadores... não importa: somos gente; somos homens e mulheres, cada qual com sua história de vida, com um pequeno e maravilhoso universo guardado no peito, que pode despertar e se expandir, a partir da aproximação de outros universos contidos naqueles que se aproximam. É nessas trocas que evoluímos, que rompemos fronteiras, que nos abraçamos, que aceitamos, que celebramos a diversidade. E é bom que seja assim!

 

       Creio que a função de um intelectual, de um acadêmico, seja mesmo essa: inspirar questionamento, promover reflexão, discutir possibilidades... Não somente diante de seus pares, mas especialmente diante dos inocentes, dos ignorantes, dos que não conseguiram ainda pensar na ideia de outras realidades.

 

       A estes, e a todos nós, creio, somente ler não basta! É preciso conversar, é preciso analisar, é preciso avaliar a ideia proposta em um livro, em um texto jornalístico ou literário qualquer. E é aí que a responsabilidade do intelectual, leia-se, do acadêmico, é exigida: nas trocas, nos pequenos diálogos... propor questões, formular perguntas... muito, muito além de trazer respostas – pois é o próprio indivíduo, estimulado a isso, quem pode vislumbrar soluções para as suas angústias e para as suas aflições... é ele quem pode encontrar caminhos que julgava impossíveis. É, pois, a partir de uma provocação, que a elaboração do pensamento fervilha. E, provocar, é função do intelectual.

 

       É claro que tudo se renova...  o céu se renova, as águas dos rios se renovam, o ar se renova, a administração pública se renova, as entidades e os órgãos se renovam... eu revejo meus pensamentos, e me renovo. Tudo se renova, inclusive a Academia. As possibilidades transitam na mente de cada um de nós. É um privilégio podermos pensar e repensar, encontrar caminhos... arejar nossos pulmões... e seguirmos em frente. Creio que a leveza das nossas horas, do nosso tempo, seja decorrente da compreensão da nossa natureza, inclusive da falibilidade de nossos gestos... Entendo a maturidade nessa possibilidade de abertura para o que possa vir.... E é por isso que aplaudo os jovens... É preciso que continuemos tendo a alegria da criança que vai, aos poucos, desvendando o mundo... renovando, crescendo, amadurecendo... É o exercício da reflexão, estimulado pela leitura e discussão de textos e ideias, que pode rejuvenescer o envelhecido, levar a paz ao rancoroso, e restabelecer a dignidade ao homem que não sabe onde encontrar a sua.

 

       E aqui na ARL, cada um dos acadêmicos contribui para que a nossa história continue sendo tão bem escrita quanto tem sido até hoje. Nosso combustível é o livro, nossa arma é a palavra; nossa fome é de ideias, nossa esperança é a felicidade - de todos!

 

       Sonho, para a gestão que se inicia, propor que ouçamos mais, que enxerguemos mais, que nos aproximemos dos nossos vizinhos e dos  habitantes dos casebres mais distantes da cidade, e levemos a eles os nossos olhos e os nossos corações sensíveis e atentos... para que possamos perguntar com fundamento... para que possamos promover alguma reflexão em torno de alguma ideia... posto que ideias e reflexões, parece, deixaram de ser pensadas, que passaram a ser simplesmente transmitidas, sem que haja uma avaliação a respeito da veracidade de seu conteúdo. E a proposta desse questionamento, pela palavra e pela literatura, a respeito de conteúdos que possam edificar e transformar, é o que, creio, temos a oferecer.

      

Penso que cada um de nós, membros da Academia Ribeirãopretana de Letras, pode ir além das quatro paredes que nos aprisiona... para podermos inspirar, para podermos fazer nascer a possibilidade de novos caminhos aos desesperançosos, para podermos sanear raciocínios tortos, e para podermos possibilitar o alimento intelectual a quem vive empobrecido de sonhos e de ideais.

 

Não, não temos o poder de salvar a tudo e a todos...  

 

"...Sinto muito, mas não pretendo ser um imperador. Não é esse o meu ofício. Não pretendo governar ou conquistar quem quer que seja. Gostaria de ajudar a todos - se possível - judeus, o gentio... negros... brancos. Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim. Desejamos viver para a felicidade do próximo - não para o seu infortúnio. Por que havemos de odiar ou desprezar uns aos outros? Neste mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode prover todas as nossas necessidades. O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma dos homens... levantou no mundo as muralhas do ódio... e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que máquinas precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido".

 

       E em um cenário fictício, inspirado no discurso do genial Charlie Chaplin, em O Grande Ditador, milhões de pessoas ouvem... e se transformam... E quem, hoje, nos ouve? E quem está disposto a dedicar alguns minutos para pensar no que ouviu, para compreender que é o responsável pelos próprios erros ou acertos?

 

       Não sei... penso naquele grupo que, antes mesmo de 1947, em um mundo que havia sofrido com a discriminação e começava a celebrar amplas liberdades, um grupo que recitava poesias nos bancos dos  jardins da Praça XV, rodeados de flores, propondo a literatura e o muito que ela tinha (e tem) a oferecer ao homem empobrecido, às comunidades intelectualmente adormecidas, aos desencantados sob as marquises de edifícios... Não sei... fico imaginando cada um de nós, a partir dos textos que lemos, que criamos... no contato com o outro... fico imaginando a proposta de inspiração que oferecemos...

 

       A diretoria da ARL, que se inicia, não traz palavras de ordem, pois não as tem. A diretoria que se inicia propõe o seu empenho, por intermédio da literatura; a sua crença na capacidade do homem de poder ouvir, ler, pensar, discutir, se emocionar... e se edificar...

 

Além da diretoria, no fim das contas, todos nós, membros da ARL, temos a nossa semente de erro ou de acerto nas pegadas que deixamos pelo caminho, e na estrada tão inteligentemente ilustrada pelo poeta latino-americano, Rubén Darío, e que estamos prestes a seguir:

 

"Peregrino que vais buscando em vão

Um caminho melhor que teu caminho,

Como queres que te dê a mão,

Se meu estigma é teu estigma, peregrino?

Não chegarás jamais a teu destino;

Levas a morte em ti como o verme

Que te rói o que tens de humano…

O que tens de humano e de divino!

Segue tranquilamente, Oh! Caminhante!

Ainda te fica muito distante

Esse país incógnito que sonhas…

E sonhar é um mal. Passa e esquece,

Pois se te empenhas em sonhar, te empenhas

Em aventar a chama de tua vida."

 

       - Sigamos, pois.


quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

BATIZADO DE MACUNAÍMA

 

"Batizado de Macunaíma" (1956) - Tarsila do Amaral
132,5 x 250 cm - óleo sobre tela (em coleção particular)
Foto: acervo pessoal

"No fundo da mata-virgem nasceu Macunaíma, herói da nossa gente" (Mário de Andrade)
 

Jamelão - "Macunaíma" (David Correa/Norival Reis) - Samba-enredo da Portela (1975)
https://www.youtube.com/watch?v=jbqwRtvSk48

Samba Enredo 1975 - Macunaíma - G.R.E.S. Portela (RJ)

Portela apresenta

Do folclore tradições

Milagres do sertão à mata virgem

Assombrada com mil tentações

Cy, a rainha mãe do mato, oi

Macunaíma fascinou

Ao luar se fez poema

Mas ao filho encarnado

Toda maldição legou

 

Macunaíma índio branco catimbeiro

Negro sonso feiticeiro

Mata a cobra e dá um nó

 

Cy, em forma de estrela

À Macunaíma dá

Um talismã que ele perde e sai a vagar

Canta o uirapuru e encanta

Liberta a mágoa do seu triste coração

Negrinho do pastoreio foi a sua salvação

E derrotando o gigante

Era uma vez Piaiman

Macunaíma volta com a muiraquitã

Marupiara na luta e no amor

Quando sua pedra para sempre o monstro levou

O nosso herói assim cantou

 

Vou-me embora, vou-me embora

Eu aqui volto mais não

Vou morar no infinito

E virar constelação