Minha intenção é publicar aqui as coisas que leio, vejo, penso ou observo, e que me fazem sentir que acrescentam. Afinal, as coisas só se tornam inteiramente bonitas quando podem ser compartilhadas e se mostram repletas de significados comuns.
Foto que está circulando no facebook - (Fonte desconhecida)
Para a Vanda,
minha amiga.
Veio do litoral paulista, enviado pela minha amiga Vanda, um presente em forma de inspiração. Tal presente, originário da Costa do Marfim, na África, chegou a ela pelo Oceano Atlântico. Impelido pela lembrança de antigas caravelas dominadoras, e navios negreiros de triste memória, o presente passou por Itanhaém, Santos, São Vicente e São Paulo e, em forma de Reggae, veio bater à minha porta: "Plus rien ne m'etonne" (nada mais me espanta), gravado por Tiken Jah Fakouly.
O presente, pela crítica e reflexão propostas, me fez bem. Ao ouvi-lo, instintivamente fui passear pelo litoral da África - Gana, Nigéria, Benin, Serra Leoa... -, adentrando o seu interior - Congo, Zâmbia, Chade...-, revisitando o projeto de dominação elaborado na Conferência realizada em Berlim nos anos de 1884 e 1885.
Assim como na prepotência de Portugal e Espanha, ao decidirem pelo loteamento do mundo em 1494 (pelo Tratado de Tordesilhas), a cidade de Berlim sediou uma Conferência entre potências mundiais da segunda metade do século XIX, para que estas pudessem planejar a expansão de influências econômicas e dividir mercados e áreas para exploração de recursos naturais e escoamento de produtos manufaturados.
A África era vista, à época, como um continente repleto de possibilidades. E como a competição pela exploração das riquezas naturais africanas, e a disputa pela conquista do mercado consumidor de produtos acabados poderia gerar tensões entre as potências europeias, o então chanceler do império alemão Otto von Bismarck convidou 14 países para se reunirem em Conferência: Alemanha, Áustria-Hungria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, França, Grã-Bretanha, Itália, Noruega, Países Baixos, Portugal, Rússia, Suécia e Império Otomano - além dos Estados Unidos. Assim, iniciada em novembro de 1884, a Conferência de Berlim terminou em fevereiro de 1885 com o fracionamento da África em regiões para exploração e ocupação europeia do continente.
Para espanto geral, meu caro leitor, não houve nessa Conferência a participação de qualquer representante do continente africano. Estranho, não é? Onde já se viu? Discutem o que fazer do "meu" quintal, promovem a sua divisão, e nem sequer me convidam para debater sobre o assunto, sobre o que é meu? Esse fracionamento acabou acontecendo, portanto, sem o devido respeito aos perfis étnicos e culturais existentes no continente africano - ou seja, "esqueceram", especialmente, que havia gente habitando o continente... gente que, ao final, deixada de lado, saiu enfraquecida.
Trazendo a Conferência de Berlim para os nossos dias, o que podemos perceber é que a história está se repetindo, porém em dimensões muito maiores: restrito a um continente, inicialmente (o africano), a fragmentação em áreas de influência tem por limite, agora, o planeta todo. Ou seja, não tem limite! Essaforma brutal de tentativa de dominação (leia-se "colonização", imposição do imperialismo) que vem se arrastando até os dias de hoje por todos os cantos do mundo causa o mesmo espanto que causou no final do século XIX: quem, hoje, vai explorar o mercado sul-americano? os Estados Unidos, a China, ou a União Europeia? quem vai gerenciar a exploração das riquezas do oriente médio? se um país não se alinhar a outros, esses outros, mais fortes, promoverão retaliações econômicas..... E mais: o desrespeito à soberania e a ingerência estrangeira em muitos países, hoje, são promovidos sob ameaças comerciais, que podem agravar desigualdades econômicas já existentes... E há, ainda, uma forte agravante: já não são mais 14 países; cada um é por si.
- "Muito estranho... muito estranho...
"Nada mais me surpreende", o reggae-presente gravado pelo Marfinense, que me foi enviado pela Vanda, ilustra muito bem a questão:
- "Se você apoiar o bombardeio ao qual submeto o meu vizinho, eu imponho baixas tarifas de importação aos produtos de seu país; se você propagar a ideia de que a moeda referência hoje pode deixar de sê-lo amanhã, eu não compro mais produtos originários de seu país; se você não for condescendente com o meu conceito de liberdade, eu não permito que os seus nacionais coloquem os pés no meu país...
- E assim, meus amigos, assim (des)caminha a humanidade! E que se explodam os homens, as mulheres e as crianças... as instituições, os hospitais, as escolas e a soberania dos mais fracos...
Disseram-me até que estão até de olho no acarajé - posto que o mercado que a iguaria atinge, com a sua comercialização, pode diminuir a possibilidade de lucros dos sanduíches da rede McDonald's.
- "A Bahia que se cuide! Eu, hein?... Antes que seja tarde, vou lá no quintal, quietinho, colher da jabuticabeira alguns de seus frutos...
Louis Armstrong - "What a wonderful world" - Filme (trecho): "Good morning, Vietnam"
https://www.youtube.com/watch?v=FzFIDTs3WtI
Da mansa escuridão onde me encontro, para mirar as estrelas, e com a chegada da noite, fiquei pensando nas pequenas famílias que habitam a Faixa de Gaza, a Ucrânia, a Etiópia, o Iêmen, o Sudão do Sul, a Síria, Mianmar, Israel, Irã... nos campos de refugiados... nas pequenas famílias desamparadas, jogadas pelas calçadas, pelas praças de São Paulo, pelos morros do Rio... pelas ruas das cidades... sob as marquises dos imóveis do bairro onde resido... Fiquei pensando nos pequenos e ridículos grandes poderosos... nos interesses que provocam estragos... E desejei paz e harmonia para nós, aqui em baixo, como se esse simples desejo pudesse promover decisivas transformações...