IPÊ-AMARELO
Minha intenção é publicar aqui as coisas que leio, vejo, penso ou observo, e que me fazem sentir que acrescentam. Afinal, as coisas só se tornam inteiramente bonitas quando podem ser compartilhadas e se mostram repletas de significados comuns.
quarta-feira, 5 de novembro de 2025
O PIANO DE MINHA MÃE
quarta-feira, 8 de outubro de 2025
E POR FALAR EM PASSARINHOS...
Enquanto lia o texto, ouvi o canto de um bem-te-vi imaginário... e me vi procurando por ele, tentando localizá-lo por sobre as cercas, galhos de árvores, muros e quintais... À medida que a procura acontecia, a despeito da sala que me aprisionava, fiquei pensando em matas, cursos d'água, rios, florestas e passarinhos... Parece que a procura por um bem-te-vi tem a propriedade de promover uma reaproximação, de ensejar uma possibilidade de reencontro do homem com a natureza - tal como acontece quando da leitura de algum texto que trate de passarinhos...
O Rubem Braga certamente vivia à procura de passarinhos - tanto que, um dia, contou uma história a respeito de um menino que queria fazer negócio com um senhor. E ele, o menino, perguntava: "Papai me disse que o senhor tem muito passarinho... tem coleira?... virado?... muito velho?... canta?... o senhor vende... quanto?"
- Bom... mas e você, meu amigo... Você não enxerga o mundo a partir de uma palmeira, do alto dela, quando se lembra que "em sua terra há palmeiras onde cantam sabiás?"... E o sabiá, que você ouviu cantar, vai voltar? Mesmo se expulsos, os sabiás voltam... voltam, cantam e voam... como voaram Cynara e Cybele na interpretação de "Sabiá", no III Festival Internacional da Canção (1968), no Rio de Janeiro: "Vou voltar, sei que ainda vou voltar, para o meu lugar, foi lá, é ainda lá, que eu hei de ouvir cantar uma sabiá..." ... e a gente aplaude... ainda hoje aplaude, aplaude...
- Eita Brasil de cantos, de pássaros e de possibilidades! Brasil de vastas extensões de verde, Brasil de passarinhos e de gente que gosta de passarinhos... terra onde, ao ritmo da "sinfonia de pardais", reina "a majestade o sabiá"... onde, de pensar em pássaros e distâncias, doem as mesmas saudades sentidas pelo Vinícius de Moraes, quando convocou pássaros de diferentes famílias para cuidarem da travessia do Atlântico e da entrega, ao destinatário, de sua declaração de amor: "Agora chamarei a amiga cotovia / E pedirei que peça ao rouxinol do dia / Que peça ao sabiá / Para levar-te presto este avigrama: 'Pátria minha, saudades de quem te ama (...)'".
segunda-feira, 22 de setembro de 2025
A GARRAFA
Ficou por muitos anos em uma pequena adega da casa de minha mãe, mesmo depois de sua partida. Ao me atentar encantado para aquela garrafa de vidro que continha vinho verde português, para seu formato meio bojudo com uma saliência na parte superior sugerindo um gancho, apossei-me dela e a trouxe para a minha casa.
Logo que deixei de olhar a garrafa e passei a examinar o vinho nela contido, percebi que, em função do tempo de armazenamento, sua coloração sugeria um certo comprometimento na qualidade. Na dúvida, enquanto decidia se o consumia ou não, coloquei a garrafa na horizontal, cuidadosamente, dentro de um armário onde mantenho bebidas de qualidade duvidosa.
Incomodado com a minha indecisão, na semana seguinte voltei à garrafa. Movimentei o líquido suavemente de um lado para outro mas, reexaminando sua coloração, não me senti seguro em consumi-lo. Contudo, aquela garrafa tão bonita parecia não querer me deixar. E então, por essas razões transcendentais que nos ocorrem, decidi me desfazer do vinho e manter a garrafa como enfeite.
Com um saca-rolhas em mãos, parti então para a ação. Contudo, ao inserir o saca-rolhas na cortiça, a rolha partiu-se no quarto superior de sua extensão, e a sua parte inferior desprendeu-se do bico, caiu no líquido, e afundou. Sem querer experimentar o vinho, e sem conseguir retirar a rolha do fundo da garrafa, joguei todo o líquido pelo ralo da pia da cozinha, e fiquei com a garrafa vazia e limpa, contendo somente um grande pedaço de rolha dentro dela.
- O que fazer, meu caro leitor? Sim, fiquei chateado. Como eu poderia retirar aquele pedaço de rolha de dentro da garrafa?
Pois bem. Por esses acasos do destino, um belo dia encontrei, no gramado do fundo de minha casa, um espeto de ponta afiada - próprio para ser utilizado em uma churrasqueira. Dei-me conta então de que, com aquele espeto, eu poderia cortar a rolha em pedaços pequenos, os quais poderiam ser eliminados pelo bico da garrafa. E assim eu fiz!
Depois, com a garrafa em mãos, limpa por fora e totalmente vazia de liquido ou rolha por dentro, fui até uma loja de produtos esotéricos e religiosos onde certamente eu poderia encontrar velas coloridas para se encaixarem no bico da garrafa, formando assim uma pequena lamparina. Logo no balcão de entrada da loja encontrei uma belíssima vela amarela, com aroma delicioso de mel. Para demonstrar minha criatividade à jovem vendedora que se aproximara de mim, indaguei a ela a respeito do destino que se poderia dar àquela garrafa que eu trazia comigo. Com um sorriso espontâneo, e com muita naturalidade, ela me respondeu que colocaria uma flor de cor bastante forte dentro dela, pois assim iria alegrar qualquer ambiente.
Com uma vela amarela em mãos, e sem dizer à vendedora o que havia me levado a procurar aquela loja, fiquei silenciosamente confrontando a exuberância da juventude com o desencanto e esmorecimento de muitos já não tão jovens... - como eu. Ao fazer tais comparações, e sem dizer nada, encontrei uma maneira de agradecê-la pela ideia. Pois enquanto eu pensava em uma vela na escuridão, queimando no bico da garrafa e sugerindo morte, feito vida que se consome, a jovem pensava em flores e na beleza que sugere vidas que florescem.
A jovem vendedora ainda me alertou de que eu havia escolhido as velas mais caras, com aroma de mel... que havia outras mais baratas. Foi então que a simplicidade da vendedora e a honestidade de seu sorriso me fizeram decidir: pedi a ela outras cinco velas amarelas, com aroma de mel, e coloquei todas elas em uma sacola de plástico. Paguei pela compra, agradeci comovido pela venda e, já na rua, sem saber o destino que daria às velas, saí em busca de flores para ocuparem o espaço interno daquela garrafa.
quarta-feira, 3 de setembro de 2025
OS MEUS DISCOS PREFERIDOS
O Ruy Castro publicou no jornal Folha de São Paulo, em sua coluna de ontem, uma relação daquelas que ele considera as vinte maiores músicas brasileiras, desde 1925 ("As 20 mais", 31/08/25). Ele avisa que a lista que fez não traduz o seu gosto pessoal, mas - esclarece ele - são músicas que "abriram caminhos, que firmaram um gênero, e consolidaram um ritmo".
Fiquei sabendo desse artigo por intermédio do meu amigo Paulo Sérgio, que o enviou a mim, via WhatsApp, com a sugestão de que eu fizesse a relação das minhas músicas preferidas. Tentei atendê-lo, porém não consegui. É tão difícil fazer uma seleção assim... A gente vai mudando, as canções vão ganhando ou perdendo importância pra gente... Mas relacionei, pra começar, alguns álbuns inteiros, nacionais e internacionais, que são frequentes em meu aparelho de som, pelos quais tenho a maior paixão e não consigo me imaginar sem a possibilidade de poder ouvi-los sempre que quiser... São álbuns que me acompanham desde que os ouvi pela primeira vez, e que fazem com que eu me lembre de algum evento, de alguma situação, de alguma pessoa, de algum lugar:
(1) "Vinícius e Caymmi, no Zum Zum" (Elenco, 1966);
(2) "Elis & Tom" (Philips, 1974);
(3) "Francis Albert Sinatra & Antônio Carlos Jobim" (Reprise, 1967);
(4) "Chega de saudade" (João Gilberto - Odeon, 1959);
(5) "O amor, o sorriso e a flor" (João Gilberto - Odeon, 1960);
(6) "João Gilberto" (Odeon, 1961);
(7) "Amoroso" (João Gilberto - Warner, 1977);
(8) "Solitude on guitar" (Baden Powell - CBS, 1971);
(9) "Violão em Seresta - Rio das Valsas" (Baden Powell - Ideia Livre, 1988);
(10) "Villa por chorões" (diversos - Kuarup, 2002);
(11) "Chet Baker sings" (Chet Baker - Pacific, 1954);
(12) "Terra Brasilis" (Tom Jobim - Warner, 1980);
(13) "Getz/Gilberto" (João Gilberto/Stan Getz - Verve, 1964);
(14) "O som brasileiro de Sarah Vaughan" (Sarah Vaughan - RCA, 1978)
....
Há tantos outros... Estes, são álbuns inteiros; outra hora tentarei relacionar as músicas específicas... começarei por "Strangers in the night", na interpretação do Frank Sinatra (que ouvi ainda hoje, de manhã); seguirei com "The shadow of your smile", com a Barbra Streisand; depois, "Ilusão à toa", com o Johnny Alf...
- Não, não vai dar... vai virar uma salada! Te peço desculpas, Paulo Sérgio.
Penso que preciso me organizar melhor. Penso que vou precisar fazer uma lista somente com músicas brasileiras; outra, com músicas estrangeiras... e dentro das estrangeiras, uma lista das gravadas em inglês, outra em francês, mais uma em espanhol, e outra ainda em italiano. Também me ocorreu fazer uma lista dos meus fados prediletos... E já estou aqui me sentindo com o coração partido: sei que, pelos esquecimentos, vou ser injusto com um ou outro álbum, com uma ou outra música - e devo mesmo ter sido ingrato com muitos álbuns que esqueci de colocar na lista que acabei de montar.
Por fim, para que essas listas não fiquem incompletas, para nunca me esquecer do que preciso me lembrar, fico devendo a mim mesmo a explicação escrita dos motivos que fizeram dos álbuns e das músicas relacionadas minhas grandes fontes de memória e inspiração.
- Pensando bem, nesse amontoado de sem-sentido, melhor eu deixar toda essa confusão de lado. Afinal, pra que serve o quebra-cabeça? O que pode interessar a João, a Pedro ou a Maria o sentimento que desperta em mim essa ou aquela música? esse ou aquele álbum musical? Acho que é mais sensato eu tomar uma atitude: vou montar um balcão, manter a gaveta sempre cheia, e sobreviver.
quinta-feira, 14 de agosto de 2025
CANTO DE AMOR A UMA POLTRONA ABANDONADA
A poltrona conta uma história. Conta muitas histórias. Em outros tempos costumava acomodar corpos necessitados de descanso. Eu era criança quando a conheci. No frio, o veludo de sua estrutura agasalhava as partes do corpo daqueles que nela se recostavam - e as almofadas que a decoravam aqueciam as mãos e os braços que as abraçavam.
O tempo passou... Depois de ter servido por mais de 50 anos aos seus antigos senhores, aos jovens, crianças e idosos que os visitavam, ela foi deixada em uma sala fria e escura de condomínio. Nos últimos sete anos, amargou-se da tristeza e da inutilidade que lhe foram impostas.
Esquecida assim, sua madeira enfraquecida adoeceu. Vitimada por um movimento descuidado, fraturou uma de suas pernas e tombou.
Há pouco, seu agora proprietário a revisitou. Ao revê-la, chocado com sua tremenda ingratidão, sensibilizou-se e despertou-se do descaso que havia imposto a ela. Arrependido, hoje busca redenção: procura um profissional que se solidarize com todas as histórias que ela conta.
- "Alguém pode fazer alguma indicação?" - brada em desespero por todas as esquinas.
É preciso que seja um marceneiro competente e atencioso; que seja dedicado o suficiente para conseguir promover a cura de um pé de madeira quebrada. Quando renovada - e isso o seu proprietário promete! -, a poltrona que se encontra enferma e esquecida ganhará um novo revestimento de tecido, alegre, imponente... para que possa continuar oferecendo acolhimento a todos aqueles que se sentirem cansados - até mesmo a esse pobre ingrato que a desprezou.
Enquanto isso, vou remoendo as histórias que a poltrona ainda me conta.
domingo, 20 de julho de 2025
IMPERIALISMO: NADA MAIS ME SURPREENDE
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Plus Rien Ne M'étonne
Ils ont
partagé le monde Plus
rien ne m'étonne Plus
rien ne m'étonne Plus
rien ne m'étonne
Si tu
me laisses la Tchétchénie Moi je
te laisse l'Arménie Si tu
me laisses l'Afghanistan Moi je
te laisse le Pakistan
Si tu
ne quittes pas Haïti Moi je
t'embarque pour Bangui Si tu
m'aides à bombarder l'Irak Moi je
t'arrange le Kurdistan
Si tu
me laisses l'uranium Moi je
te laisse l'aluminium Si tu
me laisses tes gisements Moi je
t'aide à chasser les Talibans
Si tu
me donnes beaucoup de blé Moi je
fais la guerre à tes côtés Si tu
me laisses extraire ton or Moi je
t'aide à mettre le général dehors
Ils ont
partagé Africa sans nous consulter Ils
s'étonnent que nous soyons désunis Une
partie de l'empire Mandingue se trouva chez les Wolofs Une
partie de l'empire Mossi se trouva dans le Ghana Une
partie de l'empire Soussou se trouva dans l'empire Mandingue Une
partie de l'empire Mandingue se trouva chez les Mossi
Ils ont
partagé Africa sans nous consulter Sans
nous demander, aïe-aïe-aïe, sans nous aviser
Ils ont
partagé le monde Plus
rien ne m'étonne Plus
rien ne m'étonne Plus
rien ne m'étonne
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Nada
Mais Me Surpreende
Dividiram
o mundo Nada
mais me surpreende Nada
mais me surpreende Nada
mais me surpreende
Se você
me deixar a Tchetchênia Eu te
deixo a Armênia Se você
me deixar o Afeganistão Eu te
deixo o Paquistão
Se você
não sair do Haiti Eu te
mando direto pra Bangui Se você
me ajudar a bombardear o Iraque Eu
ajeito o Curdistão pra você
Se você
me der o urânio Eu te
deixo o alumínio Se você
me der seus minérios Eu te
ajudo a caçar os Talibãs
Se você
me pagar bem em trigo Eu
entro na guerra com você Se você
deixar eu pegar seu ouro Eu te
ajudo a derrubar o general de novo
Dividiram
a África sem nos consultar Depois
se espantam que estamos desunidos Uma
parte do Império Mandinga foi parar com os Wolofs Uma
parte do Império Mossi foi parar em Gana Uma
parte do Império Sussu foi parar no Império Mandinga Uma
parte do Império Mandinga foi parar com os Mossi
Dividiram
a África sem nos consultar Sem nos
avisar, ai-ai-ai, sem nos perguntar
Dividiram
o mundo Nada
mais me surpreende Nada
mais me surpreende Nada
mais me surpreende |
terça-feira, 15 de julho de 2025
GOOD MORNING, VIETNAM
Da mansa escuridão onde me encontro, para mirar as estrelas, e com a chegada da noite, fiquei pensando nas pequenas famílias que habitam a Faixa de Gaza, a Ucrânia, a Etiópia, o Iêmen, o Sudão do Sul, a Síria, Mianmar, Israel, Irã... nos campos de refugiados... nas pequenas famílias desamparadas, jogadas pelas calçadas, pelas praças de São Paulo, pelos morros do Rio... pelas ruas das cidades... sob as marquises dos imóveis do bairro onde resido... Fiquei pensando nos pequenos e ridículos grandes poderosos... nos interesses que provocam estragos... E desejei paz e harmonia para nós, aqui em baixo, como se esse simples desejo pudesse promover decisivas transformações...
- "Good morning, Vietnam!"
terça-feira, 24 de junho de 2025
DIVAGAÇÕES SENTIDAS EM TORNO DE UMA FOTO
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Amor de Trapo e Farrapo (Paulo Vanzolini) Amor de trapo e farrapo Tudo errado mas tão gostoso De dar arrepio na espinha Amor de galo de rinha Amor de arrancar toco Amor de louco contra louca Ciúme e fogo nos olhos Beijo, o fogo na boca E o coração, incêndio pleno Amor veneno Amor cachaça Amor veneno Amor pirraça Amor debaixo d'agua Amor no meio dos infernos Amor de meter susto ao padre eterno E já se vê Só pode ser o amor de eu e você |
Amor certinho (Roberto Guimarães Campos de Pinho) Amor à primeira vista Amor de primeira mão É ele que chega cantando, sorrindo Pedindo entrada no coração O nosso amor já tem patente Tem marca registrada, é amor que a
gente sente Eu gravo até em disco todo esse meu
carinho Todo mundo vai saber o que é amar
certinho Esse tal de amor não foi inventado Foi negócio bem bolado direitinho pra
nós dois, foi ou não foi? Esse tal de amor não foi inventado Foi negócio bem bolado direitinho pra
nós dois |
domingo, 15 de junho de 2025
VELEJANDO SEM VENTO
Embarquei em um navio viquingue. Num frio cortante, de fazer tremer o corpo todo, deixei de lado as costumeiras rotas do Bojador e iniciei meu percurso pelo litoral da Dinamarca, Noruega e Suécia. Mergulhei na neblina… No convés, propulsor da viagem, o pianista Caio Pagano. Deslizou os dedos pelas teclas do mar Báltico de seu instrumento, e a nau atravessou, determinada, a Escandinávia. Finda a travessia, desembarquei no espaço aéreo da praça escura, e saí caminhando pelas ondas de um oceano terrestre que havia inundado o quadrilátero central da cidade. Fui dormir no paraíso.
sexta-feira, 16 de maio de 2025
AMOR DE MÃE
