sexta-feira, 10 de junho de 2011

CONVERSANDO COM DEUS


(CLIQUE NA SETA PARA OUVIR ENQUANTO LÊ)
("Clarinet Concert in A Major" - Adagio - Mozart;
Pintura: "The parc Monceau" - Claude Monet)

Li uma vez um texto que dizia que podemos amenizar nossas inquietações e colocar em ordem nossos pensamentos quando conversamos com Deus. Há pouco tempo fiquei me lembrando disso e me propus a organizar-me seguindo essa orientação.
Contudo, de imediato deparei-me com uma grande dificuldade: “Onde ir para encontrar-me com Deus e conversar com Ele?” Como guardo tudo o que encontro, recortes, revistas, livros antigos, artigos de jornal, velharias, passei a procurar o texto que sugeria uma conversa com Deus. Queria saber se no texto havia também uma orientação quanto ao local aonde ir para o encontro com Ele.
Depois de um certo tempo de procura achei o artigo dobrado no meio de um livro do Tolstói. O autor era desconhecido. Mal pude lê-lo na íntegra, tamanha a minha inquietação. Queria logo, de imediato, resolver a questão: “onde encontrar Deus?”
No final do texto, confesso, a orientação me deixou decepcionado:
- “Não há dificuldade alguma em encontrar Deus para poder falar com ele”, dizia o artigo. “Levante-se uma hora mais cedo do que o seu horário habitual, sente-se diante da janela, fique olhando para a rua, e espere. Você vai perceber que Deus vai aparecer e você vai conversar com Ele.”
 
(Fonte: bir-libir-loque.blogspot.com)
Qual o que ?!? Levantar-me de madrugada para ficar olhando pela janela a rua vazia? Pareceu-me uma sugestão grotesca, uma ofensa ao meu sossego, um deboche ao meu bom senso.
Deixei a orientação de lado, mas não consegui parar de pensar no que havia sido sugerido pelo artigo: conversar com Deus. Com o tempo, passei a acreditar que levantar uma hora mais cedo não me seria um sacrifício tão grande. Valeria pelo menos para desencargo de consciência, para desvendar a farsa do autor desconhecido e, por extensão, para pôr à prova a presença de Deus.
Um belo dia, ainda escuro, acordei com a cabeça cheia de pensamentos desencontrados e não pude dormir mais. Lembrei-me então da ideia de esperar Deus e decidi, sem nenhuma esperança, ir até a janela para ver se Ele vinha conversar comigo. Esperei, esperei... não vi nada. Por questões de insônia fiz o mesmo nos dias seguintes, e nos outros dias mais. Passei então a acordar mais cedo e ficar esperando por Deus.
Mas, sentado ali sozinho na frente da janela, olhando para a rua, comecei a prestar atenção nas coisas, e a achar interessantes os primeiros movimentos do dia: alguns pardais cantando nos galhos das árvores, a luz do sol começando a iluminar os andares superiores do prédio vizinho, um cachorro vagando pela calçada, o guarda noturno encerrando o seu trabalho, um veículo cruzando a esquina... as primeiras manifestações de vida...
Observando as coisas assim o tempo ia passando, um segundo de cada vez, um após o outro... E, enquanto esperava por Deus, ia refletindo sobre as coisas que ainda estavam por fazer. A cada dia, no silêncio da manhã, havia um movimento novo, uma nova descoberta. Sentia de fato uma certa cumplicidade com o começo do dia, e gostava de esperar por Deus sozinho, olhando a rua pela janela. Sem que me desse conta percebi que as ideias por si mesmas iam se ajustando de tal forma que, ao findar uma hora de espera, todas as manhãs, antes de sair de casa, já tinha organizadas na minha mente as tarefas do dia.
De alguma forma, desenvolvendo meu trabalho de uma forma mais organizada, compreendendo e aceitando minhas limitações, passei a dormir melhor, sem embaraços que pudessem atormentar minhas noites de sono.
Não tive nem o impacto nem a surpresa de me sentar frente a frente com Deus para, dialogando com ele, receber seus ensinamentos e suas palavras de ordem. Mas, na verdade, compreendi que Deus é leveza, bondade e suavidade; compreendi que Ele esteve comigo em todas as manhãs sem precisar se expor, sem precisar se exibir, sem precisar falar, ajudando-me a me organizar. Bastou para isso uma simples vontade minha.
Quando me calo, onde quer que eu esteja, quando me entrego a mim mesmo com os cinco sentidos, procurando compreender meus atos e organizar os meus pensamentos, tenho a sensação de que não estou sozinho: nesses momentos, estou conversando com Deus.
RP, 09JUN2011

5 comentários:

  1. Elias, a magia da vida passa por nós a todo o momento, e muitas vezes não percebemos e não sabemos ler as mensagens que Deus nos deixa diariamente, nas entrelinhas do tempo!!!
    Seu blog está cada dia mais interessante. Parabéns!!!

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  2. "É justamente por Deus estar morto, e morto desde sempre, que uma mensagem pôde ser vinculada através de todas as crenças que o faziam aparecer sempre vivo, ressuscitado do vazio deixado por sua morte nos deuses não contraditórios (...)" (Lacan, no seminário 7)
    Isso não é ateísmo, é crença em Deus morto.
    Patrícia

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  3. Cleu e Patrícia... obrigado pelas mensagens

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  4. Querido Elias, você conseguiu me emocionar de novo com essa mensagem profunda. Ainda ouvindo esse clarinete de Mozart, meu Deus, me sinto muito feliz e por isso lhe agradeço imensamente. Obrigado.

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  5. Caríssimo Elias, na pessoa de Deus, calamos e ouvimos. Este texto, acompanhado desta música, é o momento para calarmos e ouvirmos. Deus está em todos nós. Grande abraço. Flávio Gáspari

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