sexta-feira, 2 de setembro de 2011

EM NOME DO PAI E DO FILHO

(Piero - "Mi Viejo" - 1969)

De junho para cá meu carro apresentou problemas. Impossibilitado de escapar dessa realidade fui à oficina do “Seu” Pedro - um senhor calvo, uns sessenta anos, baixinho e sorridente - “meu” mecânico há muitos anos.

Orçamento apresentado e sem muita argumentação da minha parte, aprovei o serviço na certeza de que o carro ficaria “tinindo” - conforme ele costuma dizer.

        Dois dias depois o carro estava pronto, mas com a recomendação de que eu ficasse de olho no reservatório de água: se o volume diminuísse, seria necessário realizar outro serviço. Não deu outra: era só parar para abastecer que o frentista me alertava: “precisa completar a água”.

        Levei o carro de volta ao Seu Pedro e ele, com a firmeza de general, me falou: “Eu não disse? Temos que fazer a retífica da peça, trocar a vedação, perepepê, perepepê...”.

Conformado com a história, e já prevendo um novo gasto, deixei novamente o carro com ele. Voltei para buscá-lo dois dias depois com outros setecentos reais a menos no meu bolso.

“Tem garantia!”, disse-me ele.

“Paciência”, pensei, “carro é assim mesmo...”

        Conforme utilizava o carro eu sentia um cheiro de queimado cada vez mais forte vindo do motor. Fui cuidando do nível de água até que o medo do carro pegar fogo falou mais alto: Levei o carro novamente na oficina.

        Contudo não engoli dessa vez os argumentos do Seu Pedro, e contra argumentei com muita objetividade:

“Quero esse carro hoje, e sem enrolação. Não tenho mais “saco” de vir aqui toda semana”.

Ao perceber o blá blá blá que não tinha fim (e um aparelhinho de surdez no ouvido dele), vociferei mais alto ainda, com o dedo em riste, exigindo o serviço bem feito.

        Sem mais o que dizer e me vendo bravo daquele jeito, ele, envergonhado e incomodado pelo serviço que teria que ser refeito, pediu para um funcionário da oficina levar-me de volta ao meu escritório.

        Percebi que o rapazinho no carro comigo – Daniel -, que havia observado tudo, era filho do Seu Pedro e parecia estar chateado. Naquele momento pensei no meu filho e nas questões que envolvem o relacionamento entre pais e filhos. Coloquei-me no lugar do Seu Pedro e me lembrei de todas as outras vezes que ele me atendeu prontamente no conserto de carros. Imaginei o meu filho observando alguém falar alto comigo, exigindo que eu cumprisse o meu dever. Alguma coisa me dizia que eu havia exagerado no meu desabafo...

Dizem os livros que nessa fase da vida do Daniel – e do meu filho -, vinte anos de idade, o pai é tudo o que o filho não quer ser. Somei a isso o desconforto do Seu Pedro levando uma bronca minha sob os olhares do seu filho. Pensei também na vida familiar dos dois, Seu Pedro e Daniel. Vi em mente ambos sentados à mesa do jantar prestes a comentarem os acontecimentos do dia. Vi também o Seu Pedro cabisbaixo, sem jeito de “tocar no assunto”. Pensei na dificuldade que ele poderia ter para dialogar com seu filho, e em como poderia estar se sentindo pequeno.

Incomodado com esses pensamentos, e sem que eu notasse, senti meu coração expor suas razões: disse ao Daniel que gostava muito do pai dele – que de fato gosto -, que o admirava como bom profissional que sempre foi, que ele cuidava do meu carro havia muitos anos, e que problemas assim acontecem mesmo... Que, por fim, ele poderia admirar seu pai, sua dedicação, e seu trabalho.

        Chegando ao meu escritório meio angustiado com essa história, peguei o telefone e liguei sem motivo aparente para o meu filho. O simples fato de ouvi-lo sorrir e me chamar de “pai” ao responder meu telefonema serviu para eu me sentir um pouco menos desconfortável...

        Hoje o Seu Pedro me trouxe o carro. Não comentamos nada do nosso último “encontro”. Não cobrou nada. Na hora de ir embora olhou para mim e disse:

“Agora o carro está ‘tinindo’!

Ambos sorrimos um para o outro, e eu lhe respondi:

“’Tinindo’ nada. Parece que dessa vez ‘tinindo’ é pouco!”.

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