sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

DOIS VIOLÕES EM NOITE DE TEMPORAL


(CLIQUE NA SETA PARA OUVIR ENQUANTO LÊ)
(Diego Figueiredo - "Carinhoso")


Há uns dez anos atrás, por aí, em um jornal local, vi o anúncio de um show do Sebastião Tapajós marcado para aquela noite na cidade de Franca. Violonista e compositor brasileiro dos bons, ele, há muito tempo, consagrado na Europa. Eu, violonista frustrado, não podia deixar de assisti-lo. No impulso de encontrar companhia, telefonei para uma meia dúzia de amigos. Cada qual, naquela noite que prometia um temporal, meio de semana, já tinha seus planos feitos. Além do mais, seria pelo menos uma hora de viagem até chegarmos a Franca... mais outra hora para voltarmos... sabe-se lá a que horas estaríamos de volta em casa...

Encorajado pela Denise afrontei o céu carregado e lá fui eu: debaixo de uma chuva fininha, e na companhia do Baden Powell, Raphael Rabello e Paulinho Nogueira que “arrebentavam” no aparelho de CD do meu carro.

Cheguei em frente ao teatro na hora exata marcada para início do show. Nove horas. Havia por ali poucas pessoas. Para minha surpresa as portas ainda estavam fechadas. Pensei na estrada, na chuva, no horário de volta, no temporal que estava prestes a cair, no sofá lá de casa... e quase desisti.

        - O que é que eu estou fazendo aqui ?, pensava comigo mesmo.

Sem ninguém com quem conversar, e percebendo a chuva engrossar, resisti ali na porta.

        - O que é que eu estou fazendo aqui ?, insistia na pergunta...

Em seguida as portas foram abertas. Entrei, tomei assento lá pela sétima fileira, e ali fiquei, observando, esperando. O teatro quase vazio, as pessoas entrando, tomando seus lugares...

        - O que é que eu estou fazendo aqui ?...

Poucos minutos depois uma das pessoas que estava na platéia, umas duas fileiras à minha frente, levantou-se, olhou para os lados, para trás, e foi em direção ao palco. Em movimento de bom atleta, literalmente “saltou” para cima do palco, olhou para todos e disse com tranquilidade:

        - “Boa noite, sejam bem vindos. Já fomos avisados que o Sebastião Tapajós está para chegar aqui no teatro. Hoje a tarde ele visitou algumas escolas da cidade e fez algumas curtas apresentações. Ele é muito querido nosso, e sentimos que ele também já se sente um pouco francano.”

Dito isso, esse anônimo apresentador acrescentou:

        - “Enquanto esperamos pelo Tapajós, vamos receber um violonista francano, conhecido nosso, que fará a abertura do show: com vocês, Diego Figueiredo!”

        Palmas.

        - “O que é que eu vim fazer aqui ?!?!”, a pergunta não parava, “quem é esse violonista?”

Anunciada a abertura do show, o anônimo apresentador saltou do palco para a platéia e retomou seu lugar.

Aguardamos, aguardamos... os minutos.... e nada. O violonista não aparecia...

        - “O que é que eu estou fazendo aqui ??” ...

Depois de algum tempo o anônimo apresentador levantou-se novamente e, com a mesma destreza de antes, “saltou” mais uma vez para cima do palco e foi dizendo para a plateia:

        - “Isso não estava previsto... vou ver o que aconteceu.”, e entrou no camarim.

Ali sozinho, nesse momento, minha vontade de ir embora ia aumentando.

De repente volta o anônimo apresentador, anuncia novamente o violonista francano, volta para seu lugar e espera. Esperamos.

        Palmas.

Entra no palco um rapazinho com um violão na mão, e desculpa-se:

        - “Eu estava no camarim... não ouvi meu nome ser chamado...” 

Dito isso sentou-se, colocou o fio do amplificador no violão e debruçou-se sobre ele. As luzes do teatro se apagaram. No palco, apenas um foco de claridade no violonista.

Ouvidos os primeiros acordes, fui percebendo que a resposta para a minha pergunta começava a ser dada. Que show !! Que repertório!! Desde o começo, com “Brigas nunca mais”, do Tom e Vinícius, em estilo bem bossa-nova jazzístico, fui me sentindo culpado por duvidar de que aquela seria uma noite maravilhosa. Fui me afundando na poltrona do teatro, ouvindo uma música, outra, envolvido naqueles acordes, naquele instrumento bem tocado... Senti que a simples abertura do “violonista francano” já tinha valido a viagem, a chuva, a estrada, a noite.

(Diego Figueiredo - fonte: http://www.campinas.com.br/cultura/2015/04/instrumentista-diego-figueiredo-faz-show-unico-na-regiao)

No final da abertura aplaudi calorosamente, com vontade de que ele ficasse ali tocando por muitas horas...

Em seguida, anunciado pelo próprio “violonista francano”, vem ao palco o Tapajós. Ele entrou, sentou-se, e disse que queria começar aquele espetáculo homenageando um grande violonista brasileiro. E sem maiores salamaleques, abriu com um pout-pourri do Baden, seguido por suas próprias composições. Em silêncio, pedi desculpas a mim mesmo por duvidar da beleza daquela noite. Era um privilégio estar ali... Fiquei deslumbrado.

No final do show, depois de muito aplaudi-lo de pé, na portaria do teatro, comprei dois de seus CDs - do Tapajós. Atravessei a rua debaixo de chuva, entrei molhado no carro, coloquei um dos CDs para tocar e voltei para Ribeirão. Na estrada a chuva caia forte, mas o show continuava no CD do meu carro. Pelo para-brisa eu olhava para fora na escuridão da estrada e no aguaceiro da noite, mas só enxergava ceu limpo e estrelado, com a certeza de que aquela havia sido uma das minhas noites musicais mais lindas.

Cheguei em casa de madrugada. Todos estavam dormindo. Fui ao canto da sala, peguei meu violão, e, sentado no sofá, humildemente dedilhei alguns acordes... 

(CLIQUE NA SETA PARA OUVIR)
(Sebastião Tapajós - "Se ela perguntar")

2 comentários:

  1. Amigo Elias, gostar de música é assim, nos faz superar limites geográficos, enfrentar temores... sempre em busca de um naco de alimento para a alma.
    Também já me embrenhei em visíveis "roubadas", mas que ao final me surpreendem com farto banquete.. Em música, jamais voltei para casa de "barriga vazia".

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    1. Obrigado, Délzio, pela sua visita e pelos seus comentários. Grande abraço.

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