terça-feira, 2 de setembro de 2014

O PALÁCIO BOA VISTA E SEUS TESOUROS


     Campos do Jordão é a cidade mais alta do país. Com clima privilegiado ganhou fama de estância climática e hidromineral, e por isso recebe sempre muitos visitantes. E eu, que nunca havia estado lá, programei um curto passeio à cidade. Eu queria desfrutar do clima, conhecer o Museu Felícia Leirner e o auditório Cláudio Santoro. Mas, especialmente, o que eu queria mesmo era conhecer um palácio que existe lá: o Palácio Boa Vista.

("O Palácio Boa Vista" - foto: arq. pessoal)

     Para servir de residência oficial de inverno do governador do Estado de São Paulo*, o Palácio Boa Vista teve sua construção iniciada em 1938 e só concluída em 1964 - quando foi inaugurado. Em 1970 foi declarado monumento de visitação pública, e transformado em um centro de arte que abriga um grande acervo de obras de artistas brasileiros - sem prejuízo de sua finalidade inicial, de servir de sede de inverno do governo estadual.

     Sei que quando falamos em Palácio, as primeiras coisas que nos vêm à mente são rainhas e reis. Em seguida ficamos imaginando os tesouros guardados dentro desses palácios: baús enormes, joias, peças em ouro e prata, e tudo protegido por guardas muito bem armados. Mas eu visitei um palácio diferente, cheio de tesouros que eram, para mim, até então, feitos somente de fotografias impressas em papel de livros, como se fossem figurinhas prá eu ficar olhando... 

     Assim que, entrando no Palácio, a primeira atração é um pátio interno com um pequeno jardim e um chafariz ao centro. Nos quartos e cômodos que o circundam estão expostas obras de arte de artistas brasileiros, as quais eu somente havia visto em livros escolares.  

("Pátio interno do Palácio Boa Vista" - foto: arq. pessoal)

     Muitos Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Eliseu Visconti, e um grande acervo de obras de artistas modernistas estão ali nesse palácio. Mortos, eles ficaram com muitos dos seus trabalhos expostos nas paredes do palácio, ilustrando nossas vidas. São eles os nossos tesouros, um pedaço do nosso patrimônio artístico e cultural.

     Foi emocionante ver dentre tantos, de Tarsila do Amaral,  o "Retrato de Mário de Andrade" (1922) exposto na sala de trabalho do governador. Quantas vezes vi esse quadro em livros de literatura !

("Retrato de Mário de Andrade" - 1922 - Tarsila do Amaral - fonte: http://www.wikiart.org/en/tarsila-do-amaral/portrait-of-mario-de-andrade)

     Em uma sala menor vi "O beijo", de Eliseu Visconti; em outra, o "Retrato de Lalive" (1917), de Anita Malfatti.


("O beijo" - Eliseu Visconti - 1909 - fonte: http://pintores.vtrbandaancha.net/Visconti2/pages/O%20BEIJO%20-%201909_jpg.htm)

("Retrato de Lalive" - Anita Malfatti, 1917 - fonte: http://www.monicabelleza.com.br/pintores/anitamalfatti/lalive.htm)

     Um passeio por este Palácio, em visita guiada, tem a duração de cerca de uma hora. No entanto, a sensação é de que um dia inteiro ali ainda é insuficiente para podermos observar todos os detalhes de sua construção, bem como todas as obras de arte que ele abriga. Em especial, algumas boas horas precisariam ser dedicadas a "Operários" (1933), da Tarsila do Amaral. 

"Operários" - 1933 - Tarsila do Amaral - fonte: http://integradaemarginal.blogspot.com.br/2010_09_01_archive.html

     Exposto em uma pequena sala interna, "Operários", enorme, ocupa sozinho uma parede inteira. A vontade que dá, ao olharmos para aquele quadro, é de nos sentarmos a uma distância adequada, e ficarmos olhando para cada uma das faces que representam as faces do povo brasileiro em um período de industrialização ocorrido em nosso país. As faces, nitidamente tristes e cansadas, em primeiro plano, parecem todas iguais, massificadas pelo trabalho nas indústrias representadas pelas fábricas e chaminés, ao fundo, que reforçam o tema social.

     Mas, olhando tudo aquilo, conforme os olhos passeiam o pensamento vagueia: para que serve isso? esse Palácio? essas obras de arte? Objetivamente, não servem para nada. No entanto, avaliando melhor o seu significado, o que compreendo é que os valores e símbolos nacionais - e principalmente paulistas - estão ali guardados, como que servindo de fonte de referência para o que representa a nossa cultura. Ali estão preservadas, não as nossas moedas, mas todo um patrimônio cultural que vem sendo construído ao longo do tempo. 

     Passei dentro do Palácio muito menos tempo do que gostaria de ter passado. Com toda sua riqueza exposta, foi impossível ver detidamente tudo o que queria. 

     Mas, ao final, fotografando a parte externa do Palácio, uma ideia absurda, ridícula e risível invadiu a minha mente: só mesmo me escondendo lá dentro para, depois que ele fosse fechado no final da tarde, poder ficar olhando seus tesouros por uma noite toda. Assim eu poderia fazer anotações, me deter em cada detalhe do prédio e das obras de arte que ele abriga. Mas isso, decididamente, nunca vai acontecer. Fica então a lembrança... Fica o acervo arquivado na minha memória, e representado materialmente por uma pequena caneca com o símbolo do Palácio nela estampado - e que eu trouxe para guardar de recordação em uma das estantes de meu escritório.

*O Palácio dos Bandeirantes, em São Paulo, é a residência oficial do governador do Estado.

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