quarta-feira, 17 de junho de 2015

O PAUL McCARTNEY NÃO VIU (mas eu conto como foi)




"alguma coisa está fora,
fora da nova ordem mundial"
(Caetano Veloso)


     Sábado, duas da tarde. Acabei de almoçar e, pela Visconde, desci para o Mercado Municipal. Atravessei a Lafayette e caminhei ao lado da Catedral. Cruzei a Florêncio e a Praça das Bandeiras, passando por dentro da feira de artesanato.


 (A feira de artesanato - fonte: arq. pessoal)

     Parei no semáforo da Américo com a Tibiriçá, em frente ao ponto de táxi. Aguardei o melhor momento para atravessar a rua. Do lado de cá da calçada havia o movimento no ponto de ônibus. 

(O ponto de ônibus na Amador - foto: arq. pessoal)

     Do outro lado, uma fila no quiosque de caldo de cana. Ali, numa pequena caixa com som distorcido e misturado ao do ruído dos motores dos automóveis estava tocando, dos Beatles, a gravação de "Let it be" que eles haviam feito no disco de mesmo nome.

(CLIQUE NA SETA PARA OUVIR)
(Royal Philarmonic Orchestra - Let it be)

     Segui caminhando por diversos quarteirões do centro, passando por imóveis antigos, por lojinhas de artigos baratos, por lojas de presentes, de tecidos, de roupas feitas, bares e salgaderias...

(Mercado Municipal - fonte: arq. pessoal)

     Lá no "baixadão", pela porta da São Sebastião, entrei no Mercado. No primeiro balcão de exposições, amontoados, vi canivetes, fivelas, chapéus, fumo em corda e lampiões. Os comerciantes, com seus produtos à venda, enchiam de cor e de estímulos os diversos corredores estreitos existentes entre os boxes. As embalagens de salaminho, das garrafas de azeite, dos potes de azeitonas, pimenta e champignon davam cor ao local. Sacos de trigo grosso, temperos, amendoim, feijão, pimenta do reino em grão, tudo se juntava ali para dar ao Mercado um aroma e um charme muito especiais. 

(Tudo se amontoa nos pequenos espaços do Mercado - foto: arq. pessoal)

     Lá dentro, por mais improvável que possa parecer, ouvi novamente uma gravação dos Beatles na voz do Paul McCartney. Isso me fez duvidar da realidade, e pensar que a música que eu tinha ouvido anteriormente havia ficado retida em minha memória. Mas o som tinha boa qualidade e se espalhava pelo Mercado.

     Entrei em um dos boxes, escolhi o que queria, e fui atendido por uma mocinha muito sorridente. Ela pesou, calculou os preços, e colocou minha compra, cuidadosamente, em saquinhos de plástico separados.

 (Vendedora de queijos e castanhas - foto: arq. pessoal)

     Entrei na fila. Paguei. Continuei ouvindo o som dos Beatles. Teria sido muito mais provável ouvir, tanto ali quanto no quiosque de caldo de cana, uma música sertaneja - estilo que retrataria as tendências atuais. Ouvir os Beatles duas vezes em uma mesma tarde e em locais diversos, para mim pareceu um desarranjo edificante de lugar e tempo! 


(corredor interno do mercado - foto: arq. pessoal)

     Com sacolinhas penduradas em minhas mãos eu estava pronto para voltar para casa. No entanto não consegui deixar o Mercado. Atraído pelo som dos Beatles e com vontade de "encontrá-los" ali, caminhei "na direção deles" e cheguei em um box de canto onde funcionava uma pastelaria. Ali, em algumas mesinhas de plástico muito simples com banquetas também de plástico, os clientes se espremiam. A música saía nítida de duas caixas de som enormes. O Mercado dançava; a pastelaria fervia. Pessoas simples, mulheres de bermuda e sandálias de couro cru; homens de chapéu, cinturão com fivela de metal e botina de cano alto enchiam os copos de cerveja e conversavam animadamente tendo pratinhos de pastéis, coxinhas, e peixe frito ao centro das mesinhas. A tarde de sábado pintava-se de beleza. E a mesma gravação de "Let it Be" que estava sendo tocada no quiosque de caldo de cana agora se repetia, na voz do mesmo Paul McCartney de mais de quarenta anos atrás. 

     Aquele movimento todo alegrou o meu dia e o dia de muita gente - acredito. Sei que o Paul McCartney tem noção de tudo o que as músicas dos Beatles inspiraram nas pessoas em lugares remotos, incertos e inimagináveis deste mundo. Ele poderia até imaginar como seria ouvir sua própria voz no Mercado Municipal de Ribeirão Preto se alguém com ele conversasse a esse respeito. Mas ele não viu, como eu vi, seu jeito de cantar e a música dos Beatles trazerem sentimentos bons a mim, e sorrisos para tantas outras pessoas. 

     Na fantasia ingênua de que, por um passe de mágica, ele tomou conhecimento de tudo o que observei naquelas horas do sábado, relato aqui essa história querendo crer que ele, o Paul, em um rincão qualquer do Reino Unido, e sem saber porque, de repente parou tudo o que estava fazendo e deu uma boa gargalhada sozinho. Em seguida, com toda a nobreza britânica de septuagenário, como quem estivesse pensando algo, olhou para loooonge e exclamou para si mesmo: "Thank you, folks!"*  


(Paul McCartney - Fonte: http://ultimateclassicrock.com/paul-mccartney-valentines-day-concert/)

*obrigado, gente.

2 comentários:

  1. Não só uma linda homenagem ao Paul McCartney, mas uma crônica do seu passeio pelo centro da cidade, com toda a descrição real das mercadorias, do 'cheiro' do pastel, do caldo de cana, do movimento intenso das pessoas na nossa cidade de Ribeirão Preto. Bacana, Elias!! Flávia

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    1. Oi Flávia. Fico contente em ler comentários seus. Obrigado.

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