terça-feira, 24 de maio de 2016

MEU TIO FOI À PESCA


(CLIQUE NA SETA PARA OUVIR ENQUANTO LÊ)
("Uirapuru", de Jacobina e Murilo Latini - Pena Branca e Xavantinho)

     Meu tio foi à pesca. Deixou a cidade, os carros, o movimento de pessoas, as notícias dos jornais, e foi.

     No dia anterior separou anzóis, carretilhas, molinetes, linhas de diversos diâmetros e origens, varas e iscas artificiais. Por último preparou a ceva com os grãos de milho que haviam ficado de molho por sete dias e sete noites. Tendo ajeitado tudo foi se deitar contente. Nem dormiu direito. 

     Levantou cedinho, ainda escuro, tomou um café forte, comeu um pedaço de pão com manteiga e foi.

     Foi p'rá poder ficar quieto, p'rá poder ouvir o curso das águas. Foi com ganas de trazer lambaris, piaparas, piaus e pacus. Levou consigo a alegria de pensar que à noitinha, retornando pelo caminho que margeia o rio, vai poder sentir cheiro de mato, ouvir o canto das cigarras, e olhar a lua nascendo no céu. "Se tiver chuviscado de mansinho no final da tarde", diz ele, "melhor ainda: refresca!" 

("Meu tio" - foto postada no facebook por Ricardo Mourani)

     Meu tio foi à pesca. Foi p'rá sentir uma saudade distante de coisas e de pessoas que o tempo levou; foi p'rá poder ouvir os pássaros e voltar p'rá casa com espírito de menino. Foi p'rá reanimar o coração e encher a cabeça de histórias. Foi p'rá sentir o prazer do retorno, sentar-se na cozinha com a companheira da vida toda, contar a ela as aventuras do dia e relembrar histórias antigas. Foi p'rá poder, antes de se deitar, sentar-se na cadeira de descanso da garagem a céu aberto, na escuridão, acender um cigarro e ficar olhando as estrelas... até adormecer... adormecer e sonhar... sonhar com as matas, com os peixes e com os passarinhos...

9 comentários:

  1. Que lindo caro amigo, você escreve muito bem. Tem a capacidade de ambientar as circunstancias de forma tão sublime e singela que independentemente da intimidade de quem lê com o homenageado, fica sensibilizado e emocionado. Parabéns!

    ResponderExcluir
  2. Acho que o seu tio é o Mussolini. Mas, se não for, pode ter sido o tio Niel, porque tio Niel era doido por uma pescaria e acho que o Mussolini, também. Eu, muitas vezes, me lembro das pescarias que fazia com meu pai, no rio Sapucaí, no Ribeirão do Carmo e me lembro de como me fazia bem ouvir o barulho das águas rolando rio abaixo, da simples visão das águas rolando, das árvores nas margens desses rios, dos passarinhos, de tudo, enfim.
    Me dá muita saudade do meu pai, do tempo que ficávamos em silêncio à espera do beliscão do peixe e da satisfação que nós tínhamos quando um pegava um peixe e da expectativa em sabermos qual o peixe pescado. Muitas vezes o peixe escapava do anzol e ficávamos na decepção.
    Textos assim me trazem à memória tempos que talvez não viva novamente, não porque não existam rios ou pescarias, mas porque as situações não são as que existiam, meu pai já não está mais aqui, os rios estão diferentes. Enfim.....saudade.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Sim, na foto meu tio Musso (Mussolini) que, assim como o tio Niel (também tratado em casa por "tio Samir") com frequência fazia pescarias. Belo relato o seu. Obrigado por postá-lo. P.S.: Será que conheci seu pai?

      Excluir
    2. Elias, não sei o que aconteceu. Foi o Luiz CArlos quem escreveu esse texto, mas saiu como se fosse minha neta Maria Thereza (Maithê). Pesquei muito com o Niel e com o meu pai. Era muito bom, momentos que ficaram para sempre na minha memória.

      Excluir
  3. Acho que o seu tio é o Mussolini. Mas, se não for, pode ter sido o tio Niel, porque tio Niel era doido por uma pescaria e acho que o Mussolini, também. Eu, muitas vezes, me lembro das pescarias que fazia com meu pai, no rio Sapucaí, no Ribeirão do Carmo e me lembro de como me fazia bem ouvir o barulho das águas rolando rio abaixo, da simples visão das águas rolando, das árvores nas margens desses rios, dos passarinhos, de tudo, enfim.
    Me dá muita saudade do meu pai, do tempo que ficávamos em silêncio à espera do beliscão do peixe e da satisfação que nós tínhamos quando um pegava um peixe e da expectativa em sabermos qual o peixe pescado. Muitas vezes o peixe escapava do anzol e ficávamos na decepção.
    Textos assim me trazem à memória tempos que talvez não viva novamente, não porque não existam rios ou pescarias, mas porque as situações não são as que existiam, meu pai já não está mais aqui, os rios estão diferentes. Enfim.....saudade.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Sim, na foto meu tio Musso (Mussolini) que, assim como o tio Niel (também tratado em casa por "tio Samir") com frequência fazia pescarias. Belo relato o seu. Obrigado por postá-lo. P.S.: Será que conheci seu pai?

      Excluir
  4. Bom também este intercâmbio da saudade...
    Elias, a vida é feita de todos os detalhes. Viver. Eis aí o segredo. Pescar, preparar-se, cultivar o sonho, realizar os passos.
    Legal!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado, Flávia. São os comentários que enriquecem os textos. Obrigado.

      Excluir