terça-feira, 23 de dezembro de 2014

UM ABRAÇO (FICTÍCIO) DE NATAL



     Nesses dias que antecedem o Natal e o Ano Novo não só eu, mas todos nós, recebemos muitas mensagens. Fico muito contente e sensibilizado com cada uma delas, e sinto-me endividado com cada pessoa que me lembra de mim e me envia algumas palavras. Tento retribuir o carinho, dizer do quanto elas me fazem bem; mas nem sempre consigo ir além da intenção. E, por tal motivo, carrego uma baita dívida de afetos com uma porção de gente - que tento compensar nos meus gestos ao longo do ano. 

     Mas mesmo que procure uma forma, não sei como retribuir palavras que me são enviadas por uma pessoa jurídica - uma firma comercial - de forma impessoal e impressa - inclusive na assinatura (quando assinadas). Não consigo detectar nelas nenhum afeto sincero, posto que não há ali pessoalidade alguma. 

(fonte: http://www.sganoticias.com.br/2013/03/outro-gerente-preso-por-golpe-no-bb-de.html)


     Fico me imaginando na fila de uma agência bancária, por exemplo, aguardando pacientemente minha vez de falar com o gerente (ou a gerente) da minha conta (que eu sinceramente não sei quem é) para poder manifestar meu agradecimento e retribuir o abraço enviado e os votos de feliz Natal. Imagino que aguardaria na fila por muitos minutos até poder ser atendido. E, chegada a minha vez, eu o ouviria me desejar bom dia. Retribuindo o "bom dia", eu logo começaria por me apresentar:

     - "Meu nome é Elias; e sou cliente desta agência".

     Na sequência, sem esperar o término de minhas explicações iniciais, e para poder certificar-se da veracidade delas, certamente ele me perguntaria se tratava-se de conta-corrente ou poupança - e qual seria o número.

     E depois de verificar pelo computador a idoneidade de minhas primeiras informações, do outro lado da mesa ele me dirigiria um olhar interrogativo buscando saber o motivo de eu o estar procurando. Eu diria com franqueza que havia recebido um Cartão de Natal de sua empresa, e que, por não saber quem havia se lembrado de mim ali, como gesto de agradecimento, queria retribuir o abraço que me havia sido enviado por intermédio dele.

      Imagino que o gerente não conseguiria deixar de ser protocolar ao me agradecer. E continuaria aguardando, desconfiado, que eu entrasse logo no assunto de minha visita. Percebendo suas mensagens gestuais, eu diria que não estava ali para falar de dinheiro; que a visita devia-se simplesmente ao desejo de retribuir o abraço de Feliz Natal. E, já me levantando da cadeira, solicitaria a ele que também fizesse o mesmo para que pudéssemos nos abraçar em sinal da harmonia e da paz pregadas pelo aniversariante de 24 de dezembro.

     O que será que aconteceria? Será que eu seria atendido?, será que eu seria encaminhado para um outro departamento onde haveria alguém com a função única de receber de clientes abraços em retribuição?, ou será que eu seria tratado como um imbecil diante da enorme fila de pessoas afobadas para falar com o gerente?

     - "Não sei; ou quase sei..."

     Quando uma mensagem de Natal ou Ano novo nos é enviada por  uma pessoa jurídica, não é o homem sensibilizado e dotado de sentimentos que age: é um ente fictício que o faz por intermédio de uma lista de clientes. E nós, os clientes de número xis ou ípsolon - os destinatários - somos simplesmente mais um. Por tal motivo, as palavras impressas em cartões enviados por pessoas jurídicas, ao contrário de estarem envoltos em honestidade, chegam carregados de motivações comerciais e padecem de afeto sincero. Mensagens assim acabam por ser apenas um ato de publicidade, de interesse, para que a marca e o nome da empresa vençam as concorrentes mantendo o consumidor para o ano seguinte.

     Tomado por esses raciocínios caóticos, a verdade é que creio que toda mensagem em Cartão de Natal e Ano Novo deveria ser pessoal, com destinatário específico - e de preferência manuscrita. Pelo menos a assinatura! Mesmo que fosse enviada com atraso. 

     Quando penso essas tolices fico achando que Deus - que está em toda parte - fica sentado no sofá da sala de casa olhando para mim e, com um sorriso de sabedoria, chacoalhando a cabeça da esquerda para a direita, tenta fazer com que eu deixe de escrever besteiras; que ele já nem liga mais para o uso e abuso mercadológico e comercial que tem sido feito em seu nome e em nome de seu filho. 

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