sábado, 14 de maio de 2011

TAMBÉM SOU FILHO DE DEUS

Lá em casa todos nós estamos cuidando da alimentação. Não que estejamos com excesso de peso – aliás, com muuuuito excesso de peso. Simplesmente queremos nos sentir bem. Eu, já há tempos, deixei de lado muito alimento gorduroso para aderir aos alimentos mais leves – “e saudáveis”, acrescenta meu filho. Nas refeições o policiamento é grande para que eu comece com uma salada multicolorida e variada, seguindo as orientações médicas domésticas. Mulher e filhos, estão todos entendendo das combinações dos alimentos – só eu que não. Mas sigo o que me dizem, “digamos”.
Gosto de observar no prato a combinação de cores e formas que as saladas proporcionam: folhas de alface verdinhas, cilindros brancos de palmito, circunferências de ervilhas verdes, grãos de um amarelo bem forte do milho em conserva, e muitas outras coisas... cenoura, repolho, couve-flor e beterraba... Quando colocado tudo isso em uma travessa para se levar à mesa, os vegetais, nas suas cores e formas, tornam-se uma tentação irresistível para se fazer uma bela obra de arte – no prato. Cada vegetal merece ocupar um ponto estratégico para que a combinação de cores estimule o desejo de comer. Assim, depois de temperada, a regra é nos fartarmos dos vegetais da salada para diminuirmos a ingestão dos alimentos mais pesados.

(imagem no site ruadireita.com)

Aquele prato volumoso de arroz com feijão passou a ser coisa do passado; as frituras, ninguém mais em casa dá bola prá elas; o torresminho, a gordura da carne e a pele de frango, não as como mais nem na imaginação.
Entretanto, já notei que quando me sento para almoçar ou jantar minha cachorrinha se senta no chão ao meu lado e acompanha cada gesto meu. Fico me perguntando se esse policiamento que ela me faz é espontâneo ou por determinação ou treino de alguém. Nessa questão, desconfio de todos! Ou será essa vigilância canina conseqüência da má criação que demos a ela - à Neguinha, minha cachorrinha. Ela passou mais de dez anos de sua vida comendo somente ração balanceada. Acho que ela, condenada à alimentação controlada, solidarizou-se a todos e me fiscaliza nas refeições. Quietinha no chão, ela faz olhos de coitada como que a me dizer: “é,  foi assim que você me ensinou a comer”. Apesar disso, quando não há ninguém por perto, ela abana a cauda sempre que vê minha mão estendida por baixo da mesa para oferecer-lhe alguma coisa que julga ser ruim para a minha saúde. Ela, “coitada”, para me ver bem – creio eu -, até sacrifica-se em devorar aquilo que para mim não seria bom. Acredito mesmo que, naquele momento em que uma mão surge por baixo da mesa com algum alimento sendo oferecido, ela, já não suportando mais esse negócio certinho de comer somente ração todos os dias, apressa-se em abocanhar seja lá o que for – antes que seu dono mude de ideia.
Mas hoje, chegando em casa, sozinho na cozinha, não fui além da salada no jantar. Comi certinho! Terminado o jantar controlado, percebi que um diabinho me atacou... e não me contive: cai em tentação e não livrei-me do mal. “Há momentos em que nem um Santo consegue se livrar do mal... de algum mal necessário”, creio eu. Em cima da geladeira me surgiu o diabinho em forma de goiabada cascão, vinda lá de Santa Rita, vermelho como as cores do inferno. Senti que ele pediu abrigo entre duas fatias branquinhas do queijo mineiro guardado na geladeira. Como não gosto de desagradar ninguém, nem mesmo aos seres mais desprezíveis – como os diabinhos – e como nossas boas ações não precisam ser expostas, abri o meu coração... e a boca: às escondidas, “entrei” no queijo com goiabada. Pensando bem, diante de queijo com goiabada, até os santos precisam ser perdoados. Fechei os olhos... e comi... sozinho...  às escondidas...
Mas eis que, para minha surpresa, naquele momento, senti um animal agarrar a minha perna abraçando-a e chacoalhando-a com força - como que a me alertar para que eu me contenha. ”Não”, compreendi logo... “nada fora feito às escondidas”. A Neguinha, cúmplice de minhas estravagâncias veladas, não resistindo às cores “daquilo”, me olha pedindo um pedaço – que ganha, prontamente. Mastigando rapidamente sem fechar a boca, e abanando a cauda, justifica sua cumplicidade comigo me dizendo, de forma contida e silenciosa: “os cães são filhos de Deus”. E eu, no pensamento, complemento: “e eu também”.

3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Depois de uma alimentação tão saudável a sua capacidade criativa aumentou bastante, não acha?
    Parabéns.

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  3. Que texto mais agradável!
    Viva a Neguinha! Viva o rádio também.
    Mas, por favor, não suborne a Neguinha outras vezes.
    Grande abraço.

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