quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

"CIAO AMORE CIAO"


(CLIQUE PARA OUVIR)

Non saper fare niente
in un mondo che sa tutto
(Tenco)

     A voz grave, determinada e forte do cantor que interpreta "ciao amore ciao" faz dessa música uma de minhas favoritas. Mas por muitos anos eu a ouvi e cantarolei sem conhecer sua letra e autoria.

     Foi recentemente que, montando uma coletânea de músicas italianas, cheguei ao autor e à sua história. Luigi Tenco, italiano, compôs "ciao amore ciao" para concorrer no festival de San Remo de 1967. Nele, ele e  Dalida - cantora de origem egípcia - a interpretaram.

(Luigi Tenco - fonte: http://meakultura.pl/publikacje/smierc-w-sanremo-luigi-tenco-i-ciao-amore-ciao-796)

     A música não foi classificada para as finais do festival - o qual teve como vencedora "Non pensare a me", com Claudio Villa e Iva Zanicchi.

     Em "Ciao amore ciao" Tenco nos fala de alguém que vive no campo, cuidando da terra, da plantação e da colheita.

Il grano da crescere, (o grão para crescer) 
I campi da arare (os campos para arar) 

("Homem com enxada" - Jean-François Millet, 1840 - fonte: http://www.estudosdotrabalho.org/RevistaRET06.htm)

     Que, em cada um dos dias vividos lá, a vida se resume em olhar o ceu para tentar saber se vai chover ou fazer sol,...

Guardare ogni giorno,  (olhar cada dia)
se piove o c'è il sole (se chove ou faz sol)  

... pois as condições do tempo determinam se se vai viver ou morrer.

Per saber se domani (para saber se amanhã)
si vive o si muore (se vive ou se morre)

     E um dia, atormentado com essa angústia, esse homem do campo resolve dar um basta e ir em busca de uma outra realidade.

E un bel giorno dire basta, (e um belo dia dizer basta)
e andare via (e ir embora)

     Por imperiosa necessidade de mudar, ou por simples desejo de atender suas fantasias, ele vai embora. Caminha por mil estradas; desconhece tudo.

E poi mille estrade, (e depois de mil estradas)
grigie comme el fumo (cinzentas como a fumaça)

     O que encontra é um mundo de luzes para o qual se sente despreparado. Vem-lhe o vazio.

en um mondo di luci (em um mundo de luzes)
sentirsi nessuno (sentir-se ninguém)

     Nessa busca ele percebe todas as mudanças que ocorreram em um só dia,... 

Saltare cent'anni (saltar cem anos)
in un giorno solo (em um só dia)

... desde os meios de locomoção no campo, até aos aviões no céu.

Dai carri dei campi, (das carroças dos campos)
agli aeri nel cielo (aos aviões no céu)

     Percebendo essa transformação abrupta ele se sente perdido; sente que não é ninguém e que nada sabe fazer... em um mundo que sabe tudo.

Non saper fare niente, (não saber fazer nada)
in un mondo che sa tutto (em um mundo que sabe tudo)

("Homem carregando uma pá em um subúrbio de Paris" - Van Gogh, 1887 - FONTE: http://www.wikiart.org/en/vincent-van-gogh/man-with-spade-in-a-suburb-of-paris-1887)

     Se analisarmos atentamente essa letra, até aqui, vemos que ela fala muito da realidade de todos nós. Ela mostra o sentimento de insignificância que temos em relação às coisas que rotineiramente fazemos; mostra a sensação de vazio e impotência que com frequência sentimos, além de nos mostrar, também, os movimentos que desenvolvemos em busca de novos estímulos. 

     Porém os novos caminhos que nos aparecem, em geral e à princípio, pela insegurança que representam, nos metem medo. E o primeiro impulso costuma ser o de abandonarmos as novas ideias e retornarmos ao estado de comodidade.


     E isso, precisamente, o autor colocou na letra da música: a vontade inicial de voltar para o estado anterior; para um estilo de vida que pretendia abandonar.

e aver voglia di tornare da te (e ter vontade de voltar para ti)

     O autor diz que as condições financeiras daquele homem do campo são o primeiro obstáculo que ele encontra para poder retornar - pois nem para isso tinha dinheiro.

e non avere un soldo, (e não ter dinheiro)
nemmeno per tornare (nem mesmo para voltar)

     Ao que me parece, o que deve ter ficado por trás de tudo foi a autoestima daquele homem - que, tudo indica, não suportaria assumir seu fracasso.

     Por fim, abalado com a constatação de sua realidade e de seu orgulho, ele se despede. Primeiro, da vida que havia ficado para trás....

Ciao amore ciao...

... para depois, em fusão de realidade com ficção - que ora faço -, despedir-se das ilusões e da própria vida.

Ciao amore ciao.

     Na mesma noite em que recebeu a notícia de desclassificação de sua música Tenco foi encontrado no hotel onde estava hospedado. Tinha 28 anos de idade. Estava morto. As investigações concluíram por suicídio.

     Foi-se o autor; ficou a sua voz nos discos e gravações que fez; ficou a belíssima música desclassificada... que nasceu no coração de um jovem poeta que não deu tempo para que o tempo pudesse lhe mostrar que sua música havia nascido para se tornar um grande clássico da música popular italiana.

     Se pensarmos na história do Luigi Tenco e de sua música, vamos ver nela descritas as muitas lutas que travamos no curso de nossos dias. E vamos então compreender que fracassos e desilusões fazem parte delas, mas que não podem ser considerados fatores determinantes de nossa vida ou morte. Para isso necessitamos de equilíbrio e maturidade para aprender, superar e prosseguir, aceitando os desacertos como possibilidades de aprendizado. Não há nada mais sensato que o tempo para avaliar nossos feitos.


Ciao Amore Ciao

La solita strada, bianca come il sale
Il grano da crescere, I campi da arare
Guardare ogni giorno
Se piove o c'è il sole
Per saper se domani
Si vive o si muore
E un bel giorno dire basta e andare via
Ciao amore
Ciao amore, ciao amore ciao
Andare via lontano
A cercare un altro mondo
Dire adio al cortile
Andarsene sognando
E poi mille strade
Grigie come il fumo
In un mondo di luci
Sentirsi nessuno
Saltare cent'anni
In un giorno solo
Dai carri dei campi
Agli aeri nel cielo
E non capirci niente
E aver voglia di tornare da te
Ciao amore
Ciao amore, ciao amore ciao
Non saper fare niente
In un mondo che sa tutto
E non avere un soldo
Nemmeno per tornare
Ciao amore
Ciao amore, ciao amore ciao
Ciao amore
Ciao amore, ciao amore ciao
Tchau Amor, Tchau

A sólita estrada branca como o sal,
O grão para crescer os campos para arar.
Olhar cada dia
Se chove ou faz sol,
Para saber se amanhã
Se vive ou se morre.
E um belo dia dizer basta... E ir embora.
Tchau amor,
Tchau amor, tchau amor tchau.
Ir embora, longe
Buscar um outro mundo,
Dizer adeus ao pátio
Se ir embora sonhando.
E após mil estradas
Cinzentas como a fumaça,
Num mundo de luzes
Sentir-se ninguém.
Saltar cem anos
Num só dia,
Dos carros nos campos
Aos aviões no céu.
E não entender nada
E ter vontade de voltar para ti.
Tchau amor,
Tchau amor, tchau amor tchau.
Não saber fazer nada
Num mundo que sabe tudo,
E não ter um dinheiro
Nem mesmo para voltar.
Tchau amor,
Tchau amor, tchau amor tchau.
Tchau amor,
Tchau amor, tchau amor tchau.


2 comentários:

  1. Historia lindissima e que não se perde em tempo algum, são os genios de nossa historia...

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    1. De fato, pelas histórias contadas dessa forma simples aprendemos a conhecer um pouquinho mais da aventura do homem na Terra. Obrigado pelo comentário. Grande abraço.

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